Folha de S. Paulo


Polícia preparada, sim, e cruel

Ingenuidade e falta de memória, apenas isso pode explicar a atitude daqueles que ficaram horrorizados com o fato de a polícia militar ter tomado a iniciativa de agredir violentamente os manifestantes que ocuparam ruas de São Paulo.

Mais do que isso, equivocados estão aqueles que dizem que a polícia é despreparada, como eu mesmo o fiz num post apressado no Facebook, o qual eu reviso aqui: a polícia de São Paulo estava preparada, sim, e cumpriu o papel que lhe foi designado pelo seu comando, em última instância o governador do Estado: bateu, atirou, jogou bombas, feriu e mostrou quem é que manda.

É disso que se trata, mostrar quem manda.

Ah, quebraram patrimônio público e picharam ônibus na terça-feira, para que investigar, identificar, buscar e prender os baderneiros? Vamos mandar porrada, balas e bombas na quinta-feira e pronto, resolvido o problema.

Muito inteligente

Certamente há diversos oficiais da corporação envergonhados com estratégia tão ineficaz.

Mas qual outra explicação para justificar a crueldade com que os policiais atuaram, tomando eles a iniciativa de atacar e não de responder a ataques, como deveria ser?

Bater em gente que estava saindo do trabalho ou protegida em estabelecimentos comerciais; jogar bombas em jornalistas identificados e pacíficos; espancar violentamente um fotógrafo já imobilizado e jogar deliberadamente a viatura sobre outro fotógrafo, este bem conhecido, Filipe Araújo; aspergir spray de pimenta em cidadãos com as mãos levantadas, mirar e atirar no rosto das pessoas com as armas que podem cegar ou até mesmo matar, o que é isso senão crueldade deliberada?

Crueldade que deve ser denunciada e repelida, independentemente das discussões sobre o direito de manifestação e as motivações desses atos públicos, as quais, diante de procedimentos tão selvagens, não vêm ao caso agora.

As fotos, os vídeos que abundam na internet e os relatos de quem estava lá não deixam dúvida sobre qual foi a opção do Estado, e neste caso é exemplar e inconteste o texto publicado ainda na noite de quinta-feira no serviço on-line e na primeira página da Folha impressa de sexta-feira pelo decano jornalista Elio Gaspari, que presenciou em tempo real, ao vivo, o início da baderna e do vandalismo oficial. Foi quem deveria conter a violência que deu início à balbúrdia, constatou e relatou Gaspari, assim como vários outros presentes.

Se o governador Alckmin quisesse, ainda que tardiamente, dar algum sinal de ser o democrata que a sigla do seu partido, PSDB, afirma ele ser, teria que exonerar pelo menos uma dúzia de fardados perfeitamente identificáveis em suas atitudes facinorosas.

Aliás, poderia começar pelo coronel que comandava o ataque aos civis na Paulista, que mesmo confrontado com a realidade teve a desfaçatez de afirmar que a PM apenas "reagia" a ataques. E terminar a lista de demitidos com o responsável pela divulgação do número oficial de feridos: 13, todos PMs. E os civis?

Ora, isso é um acinte, um insulto ao sistema democrático vigente no país.

Mas como diz um post que se tornou logo popular no Facebook, a PM acabou fazendo um "favor à democracia", unindo rapidamente todas as vozes contra ela.

Resultado da opção pela repressão violenta: mesmo aqueles que relutavam em apoiar as manifestações ou eram totalmente contra estão revendo essa posição. Porque ficou claro que agora não se trata mais dos 20 centavos na tarifa do ônibus.

Numa triste ironia, as bordoadas da PM fazem a massa crescer...

Em tempo: afinal, qual é a do prefeito Haddad? No pouco que consegui ouvir de declarações suas, ele disse algo como "violência não constrói" e "parece que a PM não seguiu o protocolo".

Hã, hã...


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