Folha de S. Paulo


Até onde vai o dólar no Brasil?

Anteontem, vários jornais importantes reportaram a seus leitores que "a saída de dólares no mês de agosto foi o recorde nos últimos 16 anos". Afinal foram mais de
US$ 5 bilhões que atravessaram as fronteiras do Brasil em direção a outros mercados, vistos pelos investidores -inclusive brasileiros- como mais seguros. Uma saída dessa dimensão ocorreu apenas em agosto de 1998, pouco depois do colapso dos bancos russos.

A moeda brasileira vem perdendo valor há algum tempo em razão da proximidade da reunião do Fed, na qual o mercado espera que a mudança na política monetária dos Estados Unidos seja oficializada.

Depois de um longo período em que os dólares emitidos pelo Fed inundaram os mercados financeiros do mundo, vivemos agora um movimento reverso. Com a volta dos juros americanos a um patamar de normalidade, o dinheiro ocioso que criou uma corrida por ativos de maior risco vai retornar a seu leito anterior nos cofres do Fed.

Nesse tsunami às avessas, os mercados financeiros do mundo emergente vão ter que conviver com juros mais elevados e moedas mais desvalorizadas em relação ao dólar.

Mas, antes mesmo de o Fed anunciar sua decisão, os mercados já se anteciparam, provocando um reajuste de preços, principalmente nos mercados de juros e de câmbio.

Com o início do processo de normalização monetária, os juros dos títulos de dez anos do Tesouro americano chegaram ao patamar de 3% ao ano e no Brasil as taxas mais longas já chegaram a mais de 12% ao ano. O real chegou a perder mais 15% de seu valor, em razão de uma saída importante de capitais financeiros de não residentes e mesmo os de residentes mais afobados.

Como a autoridade monetária americana também sinalizou que a normalização será lenta e gradual, os juros americanos devem permanecer nesse nível por algum tempo.

Com isso, a especulação nos mercados de câmbio envolvendo principalmente as moedas das nações emergentes deve entrar em outra fase. Sem a excitação provocada pela definição da data em que o Fed começaria sua politica, alguma racionalidade deve voltar ao mercado.

Em primeiro lugar passaremos pelo teste tão consagrado do "compre no boato e venda no fato". Isto é, uma vez tomada, pelo Fed, a decisão de normalizar a política monetária, será a velocidade de sua implementação que influenciará as cotações do dólar em relação às moedas emergentes.

E essa velocidade, por se tratar de um processo lento a ser completado em pelo menos mais de dois anos, não tem a mesma força especulativa para mover os mercados de câmbio com a intensidade das últimas semanas.

A volatilidade dos preços do dólar americano nos mercados vai reduzir-se e, com isso, enfraquecer o poder dos especuladores. Nessa situação, os BCs dos países emergentes terão maior força para ajustar a taxa de câmbio a outros objetivos de política econômica.

Ficou claro, nos últimos dias, que os investidores começaram a diferenciar o joio do trigo nos mercados de câmbio. As moedas dos países com deficit em suas contas-correntes superiores a 4% do PIB já estão sofrendo mais do que as de economias com menor desequilíbrio externo. É o caso da Índia, da Indonésia e de outros.

A desvalorização do real, que no inicio desta turbulência era uma das maiores entre os emergentes, já dá sinais de arrefecimento e de estar se aproximando de outras moedas como o dólar.

Finalmente, os países com deficit em conta-corrente maior do que 6% do PIB estão sendo castigados com desvalorizações de grande intensidade, como é o caso da rupia da Índia e da moeda da Indonésia.

Creio que nas semanas seguintes à decisão do Fed, e com maior segurança em relação ao crescimento mundial em 2014, o mercado de câmbio vai finalmente voltar a trabalhar com os fundamentos econômicos como matéria-prima principal em suas previsões.

Se estiver certo, a onda especulativa em relação às moedas emergentes, principalmente nos mercados que já se adaptaram à nova realidade de juros, vai se acalmar. Aliás, como sempre acontece, com movimentos de manada como o que estamos vivendo.


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