Folha de S. Paulo


No Brasil pode tudo, e cada um chama seu restaurante como quiser

Mário Leite/ Divulgação
Tournedo du porc à Rossini, do Le Jazz
Tournedo du porc à Rossini, do Le Jazz

A França, país da classificação e regulamentação, onde tudo tem uma "denominação de origem", de queijos a carnes, não deixaria escapar os lugares de comer do cartesianismo.

Num resumo bem superficial, "tabac" é onde se vende cigarros, há um café ruim, uma taça de vinho e uns sanduíches para acompanhar. É onde se vai no meio da tarde bater papo, como os botecos brasileiros. Bistrôs são onde se come quase sempre a mesma coisa, escrita com giz numa lousa, a comida que mais se conhece como francesa: terrines, confits, peixes com batatas, as deliciosas brandades.

Brasserie, como diz o nome, brassava a própria cerveja. Ou seja, é uma cervejaria, geralmente fundada por alsacianos e onde servem os pratos da região, os chucrutes e os embutidos.

E então, na escala alimentar, vêm os restaurantes, com suas inúmeras gradações, do simples ao luxuoso, com estrelas do guia "Michelin", chefs conhecidos, pratos simbólicos, criatividade. Tudo isso tem microdelimitações e peculiaridades.

No Brasil pode tudo e não tem importância, cada um chame seu lugar como quiser. Tem brasserie cara e muito chique e bar que se chama bistrô. Um dos restaurantes mais caros da cidade, anos atrás, era a Brasserie Erick Jacquin, que nem passava perto de uma do gênero, era alta gastronomia.

Por mim, que sejam livres. Cada um nomeia seu negócio como quer. Sempre penso na piada do escritor Calvin Trillin, que inventou um restaurante chamado "La Maison de la Casa House", onde cabe tudo naqueles cardápios gigantescos.

Segundo uma boa história, certamente inventada, a palavra bistrô veio de "bistra" (rápido, em russo) que os soldados diziam durante a passagem das tropas pela cidade na Primeira Guerra Mundial. Eles queriam comer logo, velozmente. São lendas.

Outra, mas essa consta na "Larousse Gastronomique", foi que Rossini, o compositor italiano, inventou o prato que leva seu nome, os tournedos a Rossini. A dúvida fica para quem foi o chef que a executou. Os grandes glutões da história fizeram que receitas nascessem, pedindo, quase sempre, para acrescentar algo ao que já existia.

No caso do Le Jazz, em Pinheiros, na zona oeste paulistana, ele é um bistrô de verdade, serve a comida típica dessa classe de estabelecimento. Fui provar justamente o seu "tournedo à Rossini", só que é feito de porco e não de filé.

O prato é um empilhamento de delícias e entendo a voracidade do músico: sobre uma fatia grossa de brioche vem um pedaço alto de carne, sobre a qual se equilibra um escalope de foie gras. O pão serve para recolher os caldinhos de tudo, mais um denso molho madeira. Essa esponja de sabores é tão boa que quase dispensa o resto.

O "Rossini" do paulistano Le Jazz não faria o compositor triste.

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LE JAZZ
ONDE: r. dos Pinheiros, 254, Pinheiros.
QUANDO: seg. a qui., das 12h à 0h; sex., das 12h à 1h; sáb., das 12h30 à 1h; dom., 12h30 à 0h.

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Nirvana vinícola

Não estando num bistrô francês, a notável instituição do "vinho da casa" estará ausente, com certeza. Já há muitas exceções, restaurantes com seus próprios vinhos e também com boa oferta em taça. Mas a regra é sua ausência. Pena. É o jeito mais relaxado de beber vinho, sem ficar horas examinando a carta (e arregalando os olhos com a coluna de preços ao lado).

Uma vez fui jantar com um crítico de restaurantes inglês bem famoso, chamado Nick Lander, do "Financial Times". Achei que ele levaria algumas horas escolhendo a garrafa e me admirei (e aprendi) quando o garçom recitou o que havia por região, sem safras nem produtores, só os lugares: "Um Rhône, um Bordeaux, um Morgon...", e ele escolheu o Morgon (que era o de Marcel Lapierre).

Um dia chegarei a esse desprendimento, nirvana vinícola. Enquanto a sabedoria da certeza não chega, penso no que combinar com o "Rossini". Um caso raro em que desejei um tinto pesado, denso. Pois o prato é imponente e demanda musculatura do vinho para acompanhá-lo.

Na verdade, o que mais me agradou foi um cálice de Porto. Mas na falta dele um tinto do Douro ou do Alentejo ou um sólido Malbec vão bem. Recomendo algumas garrafas que poderiam funcionar. Mas insisto: provem com vinho do Porto, ainda acho que é o melhor caminho. Vinho do Porto é mais fácil de agradar com comida do que se pensa, vale uma coluna futura.

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Divulgação
Fonseca Tawny R$125,70 (Decanter)Aruma Malbec R$92,62 (Mistral)Porto Comenda Ruby R$54,90 (Pão de Açucar)Viña Maipo Syrah R$40,52 (Ravin)

Vinhos da semana

(1) Fonseca Tawny, R$ 125,70 (Decanter).
(2) Aruma Malbec, R$ 92,62 (Mistral).
(3) Porto Comenda Ruby, R$ 54,90 (Pão de Açúcar).
(4) Viña Maipo Syrah, R$ 40,52 (Ravin).

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