Folha de S. Paulo


Decifro e devoro a carne

Luís Simione/Divulgação
Gastronomia: tipos de cortes de carnes da Feed, no Itaim Bibi, em São Paulo (SP). (Foto: Luís Simione/Divulgação) *** DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM ***
Cortes de carne do Feed

Aprender é mais uma questão de decisão e de prestar atenção. Nem tudo funciona, claro. Fui dedicado a aprender a dirigir e nunca consegui, não lidei bem com a embreagem e aquelas outras coisas menores, como fazer o carro andar. Mas na cozinha é mais fácil.

Na coluna anterior, no último dia 3, falei dos cortes de carne e de seus nomes variados, pois pasto (ai, sem duplo sentido) no assunto, embora coma todas as carnes. Decidi entender um mínimo sobre isso e fui a um açougue. Chama-se Feed, e é moderno.

Sei que carne atualmente é um tema delicado, mas como falo de comida e não de política estou à vontade. O tema da origem dos alimentos é um assunto mundial, faz muita diferença o que os bichos comeram, o modo como foram criados e a raça dos animais. Tudo que ocorre no campo tem repercussão na panela.

O gado do Feed se chama Bonsmara, não é parente do zebu, mas de Hereford, e foi desenvolvido por um certo professor Jan Bonsma, na África do Sul. Os sul-africanos parecem ter mania de criar coisas —ele fizeram também a Pinotage em 1925, cruzando Pinot Noir e Hermitage.

No caso do boi foram bem mais felizes. Lembrei dos bifões que comi, no ano passado, na Cidade do Cabo. De Pinotage prefiro não lembrar, uma casta definitivamente para ser deixada de lado.

Já tinha consultado o "Larousse Gastronomique" e o "Oxford Companion to Food", os livrões. Mas ambos, obviamente, não trazem o nosso boizinho mapeado. Não explicam a fraldinha nem a maminha.

Curioso que muitos cortes eu conhecia mais pelos nomes argentinos, talvez pela forte presença de "parillas" aqui. O meu querido "bife de chorizo" com aquela gordurinha que deve fazer tremer quem acredita em colesterol (nunca medi o meu e assim ficarei) é o contrafilé. Fiz um na panela de pressão elétrica, pois acabei de me mudar e estou sem gás instalado. Estou fazendo tudo nela (que serve de frigideira, se não usar a tampa). Preparei a carne só chapeada de um e de outro lado até dourar, com sal e uma rodada no moedor de pimenta-do-reino.

A maminha fiz na pressão, com cenouras, cebola, alho. Ficou meio seca e não era bem o que devia ser. Nesta altura, já tinha desistido de aprender. Esta é uma coluna sobre um fracasso gastronômico com excelentes carnes. Ainda tenho duas para testar, o lagarto (este é fácil, vai virar rosbife no meu termocirculador) e o bombom de alcatra, que espero seja no fogão normal.

Quando em dúvida você pode correr para seu lugar, e foi o que fiz. Se não consegui entender direito as carnes, sei falar dos vinhos para elas. Na última coluna, com o churrasco de cordeiro, fui de Tannats uruguaios. Nestas carnes mais delicadas, preferi optar por argentinos e brasileiros, que explico abaixo.

*

Argentina sem Malbec
Gosto muito de Malbec e acompanhei a sua transformação, nas últimas décadas. A uva é fonte de vinhos pesados, meio adocicados e rudes, ou tendentes a serem iguais ao que são hoje nas mãos de enólogos pesquisadores de solos diferentes, como Alejandro Vigil (da Catena Zapata) ou Sebastián Zuccardi (da vinícola Família Zuccardi). A nova Malbec representa o refinamento dos vinhos argentinos. Mas queria falar dos grandes Cabernets Sauvignon que Mendoza produz. Pois ela é excelente lá. Só para provocar um pouco, recomendo alguns deles (acima), vinhos rioplatenses sem Malbec. E o Enos Carbenet um brasileiro, delicioso, de ótimo preço, com a Cabernet Franc.

*

O problema da Pinotage
Não inventei os defeitos nem é implicância minha. Teve até congresso em Londres para discutir o que fazer com o cheiro de borracha queimada que a uva costuma produzir (além dos vinhos pouco convincentes). Pinotage já foi tratada com todo requinte, melhores barricas de carvalho, enologia dedicada, seleção de uvas e terroirs. Nada, segue uma uva medíocre. A área plantada com ela vem diminuindo na África do Sul, substituída por Syrah, Merlot e Cabernet Sauvignon. Cumpriu seu papel, serviu de emblema para puxar a vinicultura sul-africana, colocá-la no mapa. Mas já não é mais necessária. Melhor ir sumindo aos poucos.

*

Vinhos da semana

(1) El Enemigo Cabernet Franc, R$ 154,54 (Mistral).
(2) Enos Cabernet Franc Gran Reserva, R$ 144 (vinhosdeboutique.com.br ).
(3) Altosur Cabernet Sauvignon, R$ 62.
(4) El Bar Argentino, R$ 55,58 (Ravin).
* valores de referência

Divulgação

Endereço da página:

Links no texto: