Folha de S. Paulo


Debate sobre vinho com feijoada leva ao uísque e à cachaça

Zanone Fraissat/Folhapress
Feijoada do restaurante Nelito, na Vila Romana
Feijoada do restaurante Nelito, na Vila Romana

Na semana passada, recebi muitos comentários por colocar em dúvida a necessidade de vinho que combine com feijoada. Volto ao assunto, pois houve sugestões interessantes e boas coisas para testar. Vinho e comida é algo em permanente teste, um laboratório sem resultados, livro sempre aberto de possibilidades.

Ainda bem, imagine chegar à combinação perfeita, o prato ideal com seu vinho cientificamente comprovado como melhor, o absoluto e definitivo? Seria o fim do prazer.

E seria muito sem graça também, sem arestas, sem desafio para o paladar. Lembrei das lições do meu mestre-pensador, o francês Maurice Merleau-Ponty: o que é visível por todos, ao mesmo tempo, de todos os ângulos é invisível.

Em língua de todo dia: algo tão perfeito que se torna acabrunhante.

Vinho na mesa é sempre bom, mas pode estar ausente também. No caso da feijoada são duas as perguntas: qual vinho? E precisa mesmo de vinho?

Há coisas que se consumia antes do vinho aparecer com esta força de vagalhão, o líquido que não podia faltar ou não existia comida. Já foi o uísque, numa época. E dava certo, pois uísque combina com muita coisa, chocolate por exemplo, carne assada, alguns queijos.

Já participei de jantares completamente harmonizados com uísque, claro que em micro doses, mas funciona muito bem.

A caipirinha com a feijoada faz o mesmo papel, um álcool forte "ajudando" a digestão. E o sabor também dá certo. Tem muito sommelier afinado, principalmente em restaurantes com longos menus-degustação, que alternam bebidas: vem um chá com um prato, uma cerveja com outro, um destilado com outro, servem até vinho...

Outro argumento, Hugh Johnson, uma das maiores autoridades na bebida, autor da excelente "História do Vinho" e autor e primeiro editor do Oxford Companion to Wines, diz uma coisa divertida, que harmonização é invenção recente, antes as pessoas comiam o que tinham com o vinho que produziam. Se você era do Loire e seu queijo não harmonizasse com o seu vinho branco não tinha alternativa, não tinha outra coisa para a alimentação.

A facilidade de obter de tudo e de todo lugar permitiu o jogo das harmonizações, mas criou o vinocrata, aquele autoritário que não admite refeição sem vinho e tem que ser o vinho certo para cada prato. Um aborrecimento comer com um sujeito assim, estraga tudo, acaba com os acidentes.

Com feijoada fico com a caipirinha antes e uma cerveja bem ligeira, pilsener, durante.

Das muitas opiniões que recebi nas redes sociais escolhi a do Diego Arrebola para testar, afinal ele é o melhor sommelier do Brasil, eleito no ano passado para disputar o mundial da ASI (Association de la Sommellerie Internationale), o concurso mais importante da profissão, que acontece a cada três anos (quem ganhou o de 2016 foi o sueco Jon Arvid Rosengren).

Diego comentou: "Para mim, ficou perfeito com um espumante tinto dos Vinhos Verdes, 100% Vinhão. Tinha corpo, adstringência, algo de taninos, frescor, e um conjunto aromático que casou muito bem com a feijoada".

Vinho verde tinto é um gosto adquirido (na minha família era o único aceitável com a bacalhoada de toda sexta-feira), nunca provei como espumante, vou experimentar e fica aí sugerido por um especialista.


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