Folha de S. Paulo


O meu, o seu, o nosso Dia dos Pais

Bruno Santos/Folhapress
Prato do restaurante do hotel Ca'd'Oro *** ****
Anitra alla colleoni, clássico do Ca'd'oro

Passei a semana preocupado com seu pai, veja só. Pensando no presente que você vai dar para ele. Mas como vou saber o que o ele gosta? Tudo o que eu listava eram coisas que gostaria de ganhar, nunca de dar.

Sempre acho que presente é improviso, quando se encontra algo que faria feliz uma pessoa e se compra. Sem data, razão ou reflexão. Tem que encaixar e é puro impulso. Já se depender do calendário, eu travo.

Acabei recorrendo à memória do meu pai. Se ele estivesse vivo, faria 101 anos (nasceu em agosto de 1916, durante a Primeira Guerra Mundial).

Gostava de tudo organizado, só andava de terno, camisas brancas, mesmas cores de gravata escuras, lenços de linho branco no bolso, engomados e dobrados com o rigor de um origami. Cortava o cabelo semanalmente, no mesmo barbeiro, e usava o mesmo perfume: "Jicky", da Guerlain.

Como se nota, alguém difícil de presentear. Era divertido e tinha muito senso de humor, apesar de metódico como um relógio de pulso. Um homem de outra era. Nunca soube comprar nada para ele, que nunca se importou —imagino que pensava no trabalho que daria simular ter gostado de uma gravata fora dos seus padrões, ou ter que ir trocá-la.

Na mesa, que é meu assunto, não era grande apreciador da variedades e nem mesmo bebia. Tentei lembrar seu prato favorito, aquela coisa de "Oba! Hoje vamos comer..." que todo mundo tem, salivando em antecipação. Nada. Não consegui lembrar de nenhum. Era o trivial brasileiro: arroz, feijão, bife, couve refogada e angu duro (como a polenta bem dura, fria, fatiada). E ele detestava chocolate.

Sua única relação intensa com a comida era a proibição pétrea de tomar banho depois de comer. Era preciso uma hora para a digestão, fosse de uma feijoada ou de uma banana.

Desculpem a longa relembrança, mas para falar de Dia dos Pais preciso falar do meu. Já no desespero, preocupado com os de vocês, conto coisas que comi recentemente com seus vinhos adequados. Espero que agrade a eles.

Momento nostalgia: fui viver no Ca'd'Oro um passado que não era meu. Li que o restaurante apresentou aos paulistanos carnes "misteriosas", como pato e codorna. Comi a codorna, excelente, com um tinto do Douro. Tem piano no jantar, a rua Augusta, e pode agradar o pai apegado ao passado, estilo "no meu tempo aqui era onde tudo acontecia".

Momento otimismo (como já descrevi na coluna) é a Casa do Porco Bar, para o pai que se anima com o que vem por aí, o centro de volta à centralidade da vida urbana.

CA'D'ORO
Onde: r. Augusta, 129, Consolação, centro, tel. 3236-4300
Quando: seg. a qui., 12h às 15h, 19h às 23h; sex. e sáb., 12h às 15h, 19h à 0h; dom., 12h, 15h30 e 19h às 23h

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Daqui não saio
Se você tem um Homer Simpson para agradar, eu sou exatamente um "homer" —um caseiro, brincando com a palavra "home", que significa lar em inglês. Estamos no auge do delivery de qualidade. Acho que nunca São Paulo foi tão boa para ficar enfurnado na sua sala quanto agora. São tantos aplicativos para comer sem se mover, fora da pizza da vida inteira.

Compre uma torta cremosa de palmito pupunha da Padoca do Maní, uma torta de damasco com chocolate da Marilia Zylbersztajn, abra um branco elétrico, um Chablis, e celebre. Ou cozinhe em casa, vai. Você sabe fritar um ovo. Se não sabe, aprenda. Faça um brunch para o progenitor, dois ovos fritos, pães e um café coado na hora.

O eterno BxB
Vinho de preço bom com qualidade todo mundo quer, nunca desagrada. Escolho sempre Bordeaux para presentear. Tem Bordeaux ruim, claro, todo lugar faz vinhos bons e outros não. Vinho não tem padrão, não é ciência e depende daquele clichê "os caprichos da natureza".

Mas Bordeaux tem uma vantagem sobre outra região mítica, a Borgonha, que depende de como se saíram, basicamente, duas uvas: Pinot Noir e Chardonnay. Se a safra foi péssima, fica difícil um Borgonha bom. Bordeaux é a arte do enólogo, menos sujeita ao ano (não disse completamente livre do clima, menos dependente dele).

Mais fácil achar um Bordeaux gostoso de preço bom que um Borgonha. As sugestões estão acima.

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Vinhos da semana

(1) Caduce Domaine du Bouscat, R$ 98 (delaxroixvinhos.com.br ).
(2) Chateau La Croix du Duc, R$ 92,63 (ravin.com.br ).
(3) Petit Torus, R$ 81,35 (decanter.com.br ).
(4) Les Archers de Labatut, R$ 80 (premiumwines.com.br ).

(valores de referência)

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A coluna "Volta & Mesa" é publicada aos domingos na revista sãopaulo

Keiny Andrade/Folhapress
Clique para ler o especial Dia dos Pais na revista sãopaulo desta semana
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