Folha de S. Paulo


Ao tomar vinho, ouse na uva e não exagere na quantidade

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 08-12-2016: Vinho branco gelado para a coluna Volta&Mesa de Luiz Horta. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)

Sou do tempo em que carbonara era só uma receita de macarrão e que negroni era só um drinque. Eles eram escolhidos no menu, consumidos sem prestarmos muita atenção e depois íamos cuidar de nossas vidas. Nos dias de hoje, só falar em um dos dois pode gerar polêmica —a chef inglesa Nigella Lawson foi a vítima mais recente do fundamentalismo culinário (no início de julho, muita gente torceu o nariz e se zangou nos comentários quando ela postou em rede social uma receita que fugia da versão tradicional da massa).

Vinho, infelizmente, toma tal rumo: recorrentemente seu consumo se resume a um bate-boca bizantino sobre leveduras, fermentação em ânforas, calendário lunar etc. Muito papo furado para quem só quer uma taça de vinho decente com a comida. O que importa mesmo é o prazer de beber. Se der errado numa refeição, haverá muitas outras depois —nada é o apocalipse.

Tendo exposto meu modo de viver, decidi falar sobre variedades de uvas. Segundo meu livrão de referência, ("Wine Grapes", organizado por Jancis Robinson, Julia Harding e Jose Vouillamoz), o mundo tem 1.368 castas de uvas diferentes identificadas. Isso na primeira edição do dicionário. A próxima, em preparação, já aumentou o número em mais de uma dezena.

Gosto de Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e outras tantas "internacionais", plantadas em todo o planeta vinífero. Cada lugar dá um resultado diferente para elas, e fora isso ainda há todas as decisões de produção que alteram o vinho final: se a bebida passará ou não por estágio em barricas de carvalho, qual será o tempo de envelhecimento e tal.

Mas com um repertório de mil uvas, que tal ousar e provar algo novo?

Escolhi algumas que soarão estranhas ao público, mas que estão nas prateleiras de lojas e mercados. Elas são pouco usuais no nosso cotidiano, o que não quer dizer que são difíceis de encontrar ou que são vinhos caros. Na hora em que a mão hesitar, ali na hora da compra, arrisque.
O pior que pode acontecer é você não gostar e o vinho virar molho.

Em tempo, esse assunto de nome de uvas nos rótulos é algo recente. Os vinhos franceses, por exemplo, continuam estampando a região —não importa muito saber que Chablis é Chardonnay ou que Sancerre é Sauvignon Blanc. A marca da origem é tão forte e conhecida que basta.

Lembro daquela comédia "Sideways" (2004) em que o personagem passava o tempo todo desprezando Merlots e procurando Pinots. Uma besteira. Há vinhos bons com todo tipo de uva vinífera.

Gosto não se discute, mas se refina, muda, passa. Se eu nem me lembro do vinho que bebi no mês passado, imagine continuar toda a vida com a mesma preferência. Para isso existem os refrigerantes, sempre iguais.

O lembrete final, no estilo "ministério adverte", é que o vinho, mesmo com toda a poesia que o cerca, é bebida alcoólica. É "romântico", chique, estiloso e tudo isso, mas a ressaca de Château Mouton-Rothschild é idêntica à daquele vinho de garrafão.

Bebam menos. Não é o volume que faz a alegria. Quantidade não é documento.

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Variedades
Maria Gomes: ah, os nomes das castas portuguesas! Apesar de ser a variedade branca mais plantada em Portugal, quase nunca se ouve falar nela. No Sul do país se chama Fernão Pires, mas é como Maria Gomes, nas mãos de Luís Pato, que dá um vinho refrescante, bom com comidas do mar.

Gewurztraminer: mesmo sendo uma uva importante na Alsácia, tem muitos detratores, por ser aromática, com vinhos perfumados e que podem ser enjoativos. Mas é tão deliciosa, com boa acidez e capacidade de envelhecimento. As versões com traços adocicados são perfeitas com comida tailandesa, chinesa, picantes em geral. Há bons rótulos brasileiros, mas escolhi um sul-africano que me encantou quando visitei a vinícola.

Primitivo: outra uva que tem muitos detratores (é a Zinfandel californiana na sua versão original). Aqui em vinho de sobremesa, feito com as uvas secas, profundo e saboroso, combina com chocolate, queijos azuis ou só como um digestivo.

Palomino Fino: o tesouro do Sul da Espanha, os vinhos de Jerez, melhor aperitivo do mundo, amigo de queijos, amêndoas, peixes fritos e ovos. Quando se entra no universo de Jerez não há saída. Do fino se passa para os Manzanillas, depois para os densos e complexos Olorosos e Amontillados.

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Vinhos da semana

(1) San Marzano Passito Primitivo, R$ 149 (grandcru.com.br ).
(2) Neethlingshof Gewurztraminer, R$ 82 (wine.com.br ).
(3) Luís Pato Maria Gomes, R$ 78,59 (mistral.com.br ).
(4) Jerez La Ina, R$ 73 (vinci.com.br ).

valores de referência

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A coluna "Volta & Mesa" é publicada aos domingos na revista sãopaulo

Gabriel Cabral/Folhapress
Chamada mobile da edição de 30.jul.2017 da revista sãopaulo - especial vinhos
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