Folha de S. Paulo


Colunista convida chef para ensinar a fazer tarte tatin, a torta ao contrário

Bruno Geraldi/Divulgação
Tarte tartin servida no Ici Bistrô
Tarte tartin servida no Ici Bistrô

Sempre fiz a famosa tarte tatin, uma típica torta francesa de frutas. Ou melhor: pensava que fazia. Na maioria das vezes, quando desenformava, ela virava uma espécie de farofa úmida de maçãs. "Mas pelo menos ficou gostoso", diziam os convidados solidários diante do desastre.

Se tivesse chamado de "crumble" de maçã, uma farofa doce, estaria mais perto da verdade. Em outras tentativas, as que eu julgava bem sucedidas, a torta em si virava direitinho, mas as frutas, espalhadas aqui e ali, davam a impressão de uma pizza delivery após uma freada brusca na entrega.

Essa história não tem nada a ver com a coluna, mas quando você não cozinha lá essas coisas, sirva bastante vinho para os convidados. Quando eles tocarem a campainha, já ofereça uma taça e um aperto de mão —assim, sua comida parecerá melhor.

Com tantas desventuras, ainda insisto, pois gosto muito de tarte tatin. Trata-se de uma torta feita para ser invertida na hora de servir, popularizada pelas tais irmãs Tatin, do interior da França.

Aqui aparece a Thaís Gimenez, que faz a melhor tarte tartin da cidade. Eu a conheci anos atrás e a convidei para me ensinar. No meio da história, por sorte, ela foi assessorar um restaurante —e quem quiser pode comer a torta de sua autoria, no Ici Bistrô, onde agora é chef de produção. Ela veio à minha casa em trama paralela desta coluna que chamo de "Mesa & Volta" —quando, em vez de ir comer fora, aprendo algo na minha cozinha.

Vendo ela fazer a tarte tartin, pareceu bem fácil: manteiga, açúcar e maçãs. Com isso se carameliza as frutas, em pequenas frigideiras individuais (com uns 12 cm de diâmetro) de fundo antiaderente. Há alguns truques. Eu, por exemplo, cortava as maçãs em gomos muito finos. Ela, por sua vez, corta cada uma das frutas em quatro partes.

É importante ter uma maçã mais ácida e menos cheia de caldo, pois assim ela carameliza mais rápido. A "granny smith", variedade de maçã verde, é a escolha. Mas Thaís frisa bem: tem que ser a verdadeira -muita maçã que leva esse nome não é realmente da variedade. A original é verde-amarelada, compacta, firme e mais ácida do que doce.
Na montagem, as maçãs devem ser arrumadas, quase sem espaço entre elas, sobre uma camada de manteiga e açúcar (ela usa pouco) —e ir direto ao fogo. A parte de baixo das frutas fica cozida, dourada, sem desmanchar, mantendo a forma. "Se usar outras maçãs, pode virar uma geleia", explica Thaís.

Na hora de servir, sobre essa cobertura (que está na parte inferior da torta e vai ser virada ao contrário, perceberam?) coloca-se massa folhada, leva-se ao forno para assar (esse tempo e calor terminam de cozinhar as maçãs). E está pronto. Resta desenformar o conteúdo sobre um prato. Sirva a tarte tatin morna acompanhada por algo do seu agrado. Acho sorvete uma ótima escolha. Ou chantilly batido na hora.

ICI BISTRÔ
ONDE: Rua Pará, 36, Consolação, tel. 3257-4064
QUANDO: Seg. a qui., das 12h às 15h e das 19h à 0h; sex., das 12h às 15h e das 19h às 0h30; sáb., das 12h30 às 16h e das 19h30 às 0h30; dom., das 12h30 às 17h

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A regra simples do doce
Vinho para sobremesas segue, em geral, uma regra singela: a bebida precisa ser mais doce do que o que ela acompanha. Há centenas de possibilidades, e sempre vai ter alguém para discordar, mas é uma decisão segura. Como a tarte tatin da Thaís é mais ácida e pouco açucarada, fica bem com um espumante de uva Moscatel (provei com o recém-aparecido Georges Aubert, clássico brasileiro que voltou muito bom às prateleiras). Vinhos do Porto mais doces (no estilo Ruby) também vão bem. Quem quiser ser atrevido pode optar por uma sidra verdadeira, da Normandia, maçã com maçã. Quer encontro mais natural que este?

Fiz? Fiz.
Ousei, sim, tentar a receita. Afinal, o propósito da versão invertida desta coluna é que eu consiga produzir sozinho, e usando minha cozinha doméstica, o que me ensinaram. Deu certo (na terceira tentativa). Confesso que usei massa pronta —fazer massa folhada é coisa séria demais para um amador. Estou ficando hábil no assunto. O aroma da maçã caramelada esquentado a casa no inverno é muito bom. Não consigo atingir o ponto da caramelização homogênea da Thaís (a minha fica meio queimada de um lado). Continuarei tentando. Fracassos também são comestíveis, mas não rendem foto —e nem sirvo para os convidados.

Vinhos da semana
(1) Niepoort Tawny, R$118,29 (vinci.com.br ).
(2) Burmester Tawny, R$63 (wine.com.br ).
(3) Espumante Moscatel Aurora, R$44,25 (Pão de Açúcar).
(4) Espumante Georges Aubert Moscatel, R$38 (espumantes georgesaubert.com.br )
(valores de referência)

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A coluna "Volta & Mesa" é publicada aos domingos na revista sãopaulo

Pedro Saad/Folhapress
Integrantes da Companhia Mungunzá, que idealizou o Teatro de Contêiner, no centro
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