Folha de S. Paulo


Chef Jun Sakamoto é um artesão com obsessão, rigor e atenção

Divulgação
Sashimis servidos no Junji da Japan House
Sashimis servidos no Junji da Japan House

Sente-se que lá vem textão "cabeça" —mas com comida e bebida, claro. Estive na Japan House, o que amplificou as reflexões sobre um ótimo livro que estou lendo. Chama-se "Moderne sans Être Occidental - Aux Origines du Japon d'Aujourd'hui" (traduzindo: "Moderno sem ser Ocidental - Nas Origens do Japão Atual"), do historiador francês Pierre-François Souyri e ainda sem versão brasileira. A obra narra como a modernidade ocorreu ao Japão e à Europa simultaneamente sem que o país oriental tenha exatamente sido influenciado pelo ocidente.

Ali na Japan House, assisti a um vídeo sobre uma senhora bem idosa, única a saber produzir, tingir e tecer uma fina fibra de bananeira usada nos quimonos mais especiais. A filmagem demonstra a trabalheira no processo. A distinção que fazemos entre arte e artesanato no ocidente não existe do mesmo jeito na cultura japonesa.

Quando o filme terminou, fui jantar no Junji Sakamoto, do chef Jun Sakamoto, restaurante instalado na Japan House. Diante de uma dúzia de sushis muito bons e de um sukiyaki excelente, a cabeça ficou matutando tudo aquilo que eu acabara de ver.

Onde arte e artesanato se confundem, o que vale é a falta de criatividade e o que se valoriza é a cópia. A arte japonesa não é a do ego do autor, mas a da melhor aproximação com o trabalho de um mestre.

Esse é o motivo de a senhora que faz fibra de bananeira tentar ensinar sua técnica, para que aquilo continue se repetindo. E na comida também é assim: aperfeiçoar o já perfeito e não inventar nada de novo. Nosso valor é a autoria, o chef sendo aquele que assina um prato original. Os japoneses abrem mão até da ideia que criamos do chef de cozinha como artista. Para eles, o chef é um artesão. Uma figura que até pode ser venerada, elogiada e celebrada, mas por conseguir chegar perto de modelos de perfeição há muito tempo já estabelecidos.

Nunca vai existir um sushi de risoto ou um sashimi de pirarucu. Essas coisas seriam consideradas aberrações. A cozinha japonesa procura o ingrediente mais fresco, o corte mais exímio, a temperatura mais correta do arroz e a qualidade desse arroz. São coisas totalmente diferentes. Sem juízo de valor, só estou apresentando a diferença das abordagens para a mesma coisa: a comida.

Sendo radical nos conceitos, digo que não há gastronomia no Japão. Há a feitura dos mesmos pratos, com a sombra de "wabi-sabi" (teoria da beleza na imperfeição). O cozinheiro tenta e sempre estará insatisfeito.

Não adianta querer entender o Japão com o nosso cérebro de matriz europeia. A régua é outra. Jun Sakamoto se notabilizou por isso, por ser um artesão com obsessão, rigor e atenção a coisinhas como uma pincelada de yuzu, o arroz ideal, o tamanho da mordida... Quem come um sushi assim nunca mais vai querer ouvir falar em rodízio. Vai passar a preferir o pouco que sintetiza tudo (o sabor, a textura e a técnica) a uma centena de sushis banais.

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JUNJI SAKAMOTO
Onde: Japan House. Av. Paulista, 52, Bela Vista, 2º andar, tel. 3588-8778.
Quando: ter. a sex., das 12h às 15h e das 18h às 22h; sáb., das 12h às 16h e das 18h às 22h; dom. e fer., das 12h às 18h

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Saquês da semana

(1) Nambu Bijin Junmai Guinjo Aiyama, R$ 330 (adegadosake.com.br )
(2) Takashimizu Seisen Honjouzou, R$ 120 (adegadosake.com.br )
(3) Azuma Kirin Guinjo, R$ 78,64, 740 ml, (e-sake.com.br )
(4) Thikará Gold, 745 ml, R$ 35,98 (e-sake.com.br ).

* valores de referência

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Não tem vinho
Eu acho que com comida japonesa bebe-se saquê ou chá. Diversos vinhos combinam muito bem, como os Rieslings alemães e austríacos, os brancos da Borgonha, vinhos feitos com Chardonnay sem passagem por carvalho e até os vinhos da região francesa do Jura. Mas, sendo fiel à comida, melhor tomar bebidas japonesas. Na minha refeição, tomei chá verde. Recomendo alguns saquês (acima) e falo de um chá especial abaixo.

O chá da vovó
Ume Shimada, também conhecida como "obaatian" (a vovó), é uma senhora que decidiu poucos anos atrás recuperar uma fazenda de chá no município de Registro (interior de SP). Chá sempre foi plantado no Estado, principalmente no Vale da Ribeira. E na própria capital paulista —o Viaduto do Chá não leva esse nome por acaso, havia uma grande plantação de Camellia sinensis no chamado Morro do Chá (que ia da República à Consolação).

A vovó Ume recomeçou a recuperação da plantação aos 87 anos -hoje ela está com 90. O chá é colhido à mão, só os brotos. Passa pelos processos de descanso, para perda de umidade e de secagem, em grande tacho sobre fogo a lenha. O resultado é um líquido dourado, aromático, com um sabor muito delicado para um chá preto: taninos muito sutis, doçura natural, aroma levemente defumado e um gosto agradável de mel e tostado na boca. Tenho bebido litros dele. Pode ser comprado no site obaatian.com.br em pacotes de 50 gramas (R$ 25) ou de 100 gramas (R$ 45).

A coluna "Volta & Mesa" é publicada todos os domingos na "revista sãopaulo"

Bruno Santos/Folhapress
chamada mobile da edição de 09.jul.2017 da revista sãopaulo
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