Folha de S. Paulo


A Casa do Porco entrega otimismo e a melhor comida brasileira de autor

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 28-06-2017: Misto-quente da Casa do Porco do Chef Jefferson Rueda. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Misto-quente da Casa do Porco do Chef Jefferson Rueda

Esta coluna fez um ano de idade. Para comemorar, presenteou-se com um jantar na mesa do chef de A Casa do Porco Bar. Eu já tinha estado lá outras vezes, provado o menu-degustação que culmina no prato principal (quase um banquete): o porco San Zé, assado inteiro com pele que parece um caramelo e acompanhado por tartare de banana, tutu e couve. Também já comprei sanduíches e torresmos na janela que dá para a rua.

Sou da tradição do porco. Montanhês, fui educado com essa comida. E Jefferson Rueda recoloca o bicho benfazejo no mapa, com uma comida refinada, extraordinária e verdadeira. Essa conjunção feliz de técnica de um grande chef e produtos de primeira, genuinamente locais, ocorre em poucos lugares. Não é só sobre comer o porco "nose to tail" (do focinho ao rabo), mas também sobre ter um animal cuidado, criado e preparado para isso.

Jefferson me explicou sobre um grupo de açougueiros, do qual faz parte, que quer reaver a confiança que o freguês tinha na profissão: pedir a carne e levar sem se preocupar.

A mesa do chef é honraria. Fica em um canto do balcão entre a cozinha e o salão.

É a única que aceita reserva. Dali se vê Jefferson dirigindo a cozinha e a casa. Fui acompanhado e lá pelas tantas, de surpresa, Janaina Rueda se uniu a nós. Que celebração!

O chef parece não ter limite na amizade com o porco. O animal é seu íntimo —e vira nosso também. Com ele, porco dá sempre certo. A papada é servida como sushi. O torresmo é acompanhado de um quase catchup de goiaba. Também pode vir com sardinha, com caviar ou em tartare.

Em visita anterior, bebemos vinhos: um verde, o Aphros Ten, e um estilo kabinett alemão, que, com sua doçura e acidez, combina com a carne, branca e adocicada, e com a gordura. Quando Janaina apareceu, ela foi propondo o inesperado nas bebidas.

Ela queria brincar. Tomamos shot de vodca com o porco-caviar; uma dose de meu uísque favorito, Laphroaig, de sabor defumado, com costela curada. E bons vinhos nacionais: Lírica Crua e o Alvarinho Hermann.

E ainda há o queijo pardinho, os embutidos, as sobremesas de Saiko Izawa, o café coado no filtro Hario... A Casa do Porco serve a melhor comida brasileira de autor que consumi ultimamente e entrega junto um otimismo no futuro, algo hoje mais raro que caviar.

Queria que eles viessem ao meu bairro. Para isso, inventei, de brincadeira, um food truck: o Sobre Ruedas, que venderia mistos, linguiças e cachorro-quente. Misto perfeito: pão da casa, queijo pardinho e presunto Real Rueda. Não há nada parecido em lugar algum.

Pode me embrulhar uma dúzia, por favor.

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O CENTRO

Você sai de A Casa do Porco Bar com o coração em festa e uma responsabilidade. Como escrever sobre o que ocorre por lá? Além da comida, há a felicidade de retomar um canto histórico do centro ("Dançávamos numa gafieira ao lado", contou meu sogro).

No futuro, certamente, os dois restaurantes (o Bar da Dona Onça fica praticamente na mesma rua) e as novidades que o casal sonha (sussurraram sobre uma sorveteria) farão parte da história de como o lindo centro de São Paulo foi salvo em torno de pioneiros que amam a região e forçam pessoas a irem até lá.

Foi o melhor aniversário que esta coluna poderia ter: sem planejar, sem pompa e dedicado ao prazer de descobrir que toda cidade pode ser boa, desde que saibamos usá-la.

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VINHOS DA SEMANA

1. Dr. Loosen Blue Slate Kabinett, R$ 199 em wine.com.br
2. Aphros Ten, R$ 98 em winelovers.com.br
3. Espumante Lírica Crua, R$ 76,40 em decanter.com.br
4. Alvarinho Hermann, R$ 74,80 em decanter.com.br

* valores de referência

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A coluna "Volta & Mesa" é publicada todos os domingos na "revista sãopaulo"


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