Folha de S. Paulo


Devagar, quase parando; colunista testa "geringonça" de cozinha a vácuo

Thinkstock/BBC
Diferentes tipos de ovo
Diferentes tipos de ovo

Estou na temporada da cozinha "sous vide" (aquela que se pode chamar de "a vácuo"). Comprei um "gadget" novo: um termocirculador.

Antes, esta geringonça era exclusividade de grandes chefs, porque só havia modelos profissionais, grandes demais e caros. Como tudo na história da tecnologia na cozinha, foi barateando, sendo simplificado, ganhando versões domésticas... O meu funciona em qualquer panela e é de última geração e tem wi-fi –não dá para acessar emails nele, não é isso, já explicarei.

Tudo é bem fácil. Você regula pelo aplicativo, no celular, temperatura e tempo de cozimento. Coloca o aparelho na panela, põe água e o que for cozinhar em sacos plásticos bem vedados. O vácuo não é tão necessário, basta retirar todo o ar de dentro dos saquinhos, para a comida não ficar flutuando (já que é preciso que ela esteja totalmente imersa) e liga o aparelho.

Aqui entra a graça do wi-fi. Dá para deixar tudo montado e colocar para funcionar de onde você estiver, por controle remoto. Como a cozinha da família Jetson. Não é incrível? Quando dá certo, é.

Tudo funciona muito bem, mas os problemas começaram. Não por causa do aparelho, pela necessidade de testar vários alimentos e como reagiriam ao cozimento lento à baixa temperatura, pois é disso que se trata. Traduzindo: é uma máquina de banho-maria totalmente estável em que dá para manter a mesma temperatura por dias.

Comecei, claro, por uma carne cozida por um dia inteiro. Um pedaço de capa de filé. Precisei, no final, de 36 horas a uma temperatura de 65°C. O que mudou, em relação à panela de pressão, por exemplo, foi a textura.

Na panela, fica desfiável. No "sous vide", fica do mesmo formato em que entrou no cozimento, mas dá para comer de colher.

Houve uma moda deste aparelho há alguns anos. O prato mais emblemático era o "ovo perfeito". É dele (do ovo) que venho perdendo direto. Já fiz com que ficasse mole demais ou duro demais –ainda não deu certo.

Tenho tentado temperaturas e tempos diferentes. A fórmula simples, fácil de decorar, era a de 60°C por 60 minutos. Sem erro para guardar na cabeça: 60/60. Mas a gema ficou ótima e a clara líquida. Fui tirar dúvidas nas redes sociais, acabei conversando com o chef francês Julien Mercier.

A AULA DE MERCIER

Nós já tínhamos trocado umas ideias nas redes, mas fui cutucar Julien Mercier, chef-consultor, e ele apareceu como um especialista em "sous vide" que me deu um curso completo.

Preciso de muito tempo e experiência com a minha maquininha para aproveitar tudo que aprendi com ele. Aqui, vou ficar só no ovo, ou escreverei um livro, e não uma coluna.

É mais complicado do que eu pensava. Primeiro, as máquinas caseiras precisam uma certa checagem. Principalmente depois de viajar, elas ficam descalibradas. Então verifiquei com um termômetro se os graus apresentados no visor eram mesmo os da água.

Aí veio a bomba, tão evidente, mas sobre a qual eu não tinha pensado nisto: ovos têm pesos desiguais. Para chegar à perfeição é necessário pesá-los. Ai, ai, a trama se adensa.

Diz Julien: "Outra coisa que faz diferença é saber se seu ovo estava na temperatura ambiente ou na geladeira. E, obviamente, da quantidade de ovos que coloca pra quantidade de água que você tem. Se colocar muitos ovos juntos, a temperatura da água baixa e demora para subir de novo".

A essa altura eu já tinha abandonado a ideia de fazer o tal "ovo perfeito". Coloco um pedaço de lagarto dentro da ziploc, uma colher de sopa de mostarda, sal, deixo por duas horas a 63°C e tenho um rosbife lindo, rosado por dentro –delicioso. É para isso que vou usá-la: peixes e carnes, as cenouras ultra-cenouras, banana-da-terra com açúcar e canela...

Mas aprendi a lição. Agora, estou testando ovos comuns, pequenos, por 60 minutos a 63,8°C, seguindo o chef Mercier. Vamos ver.


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