Folha de S. Paulo


Há comidas que são constantes, de saber que o se gostava ainda está lá

Gabriel Cabral/Folhapres
Filé com fritas da cantina Roperto, na rua Treze de Maio, 634, Bela Vista
Filé com fritas da cantina Roperto, na rua Treze de Maio, 634, Bela Vista

Eu ia muito à Cantina Roperto quando não morava em São Paulo. Viver em uma cidade muda nossos hábitos. O turista, parece, tem mais disposição. Aquela vitalidade pilhada, em que ele precisa ver tudo que conseguir em tempo compacto. Eu, no caso, vinha à capital paulista para festas de rua, para a Bienal e para festivais de cinema.

Minha teoria é a seguinte: até um mês de visita é turismo (em geral, são uns cinco dias frenéticos e olhe lá). Entre um e três meses, quase uma habitação, já é necessário ter um supermercado de preferência, saber as linhas básicas de ônibus, ser reconhecido pelo balconista da padaria ("pão na chapa, café sem açúcar e com leite separado") e ter o jornaleiro que troca sua nota graúda sem reclamar.

Com mais tempo que isso, você é um cidadão. Eu sou (há algumas décadas finquei minha base aqui), e então não preciso ir mais a nada nem lugar nenhum -posso sempre adiar. E, por isso, sou um perfeccionista na arte da procrastinação.

50 Restaurantes Com Mais de 50
Janaina Rueda, Rafael Tonon
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O livro "50 Restaurantes com Mais de 50: 5 Décadas da Gastronomia Paulistana", recém-publicado por Janaina Rueda e Rafael Tonon, trouxe-me muitas memórias de alegrias remotas. O tomo fala de lugares que frequentei, alguns que eu nem sabia que ainda estavam abertos (pena que já não há o Parreirinha e suas rãs no alho e óleo). De alguns deles, já falei nesta coluna. Outros, estão na lista.

Foi lendo o trabalho dos dois que lembrei das festas da Achiropita que passei na cidade. Da aposta nos joguinhos de rua ingênuos (como o do porquinho da índia que valia prêmios singelos se entrasse na casa do número que você escolheu). Da rua cheia de bandeirinhas. Dos pães das padarias italianas da região.

E da cantina Roperto. O cabrito era pedida certa, mas por alguma razão eu gosto muito do filé com fritas "old school" de lá. Não tem papo de maturação, dry-aged ou wagyu. É o filé grande, no ponto. Aquele da vida toda, com sabor da infância. Pensei em ir ao Moraes, mas queria repetir o Roperto para ver se eu conseguia recuperar uma rua Treze de Maio da velha boemia, com uma malandragem pré-bandidagem, em que os perigos eram menores e mais charmosos.

Não me decepcionei. Há comidas que são reconfortantes, mas há também as zonas de conforto que são apenas a permanência de certas constantes, de saber que o que se gostava ainda está lá, vivo –que e ainda se gosta, mesmo frequentando tão pouco.

O mundo desmancha, mas o filé grande está sempre lá, com aquele gosto de chapeado (arroz de restaurante também tem um gosto único, impossível de reproduzir em casa), batatas grandes e bem executadas e um toque de limão por cima.

Sou do tipo que pede o prato esquisito nos cardápios. Sabe o sujeito que vai escolher a lasanha no restaurante japonês? Esse sou eu.

R. 13 de Maio, 634, Bela Vista, tel. 3288-2573. Veja mais informações sobre a casa.

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Antigos e confiáveis
Estou lendo com muito proveito o livro que citei, "50 Restaurantes com Mais de 50: 5 Décadas da Gastronomia Paulistana" (Janaina Rueda e Rafael Tonon, editora Melhoramentos), pois num país em que pouca coisa dura mais que uma década, restaurantes com mais de meio século abertos e funcionando bem são um acontecimento.

Alguma qualidade eles têm para esta longa vida. Acho que as que cito sobre cantina Roperto resumem tudo: a comida sempre no mesmo padrão, aqueles lugares em que se busca uma constância. Não é inovação, criatividade ou cozinha contemporânea que se acha ali, mas o certo, o correto, o confortável.

No livro fiquei sabendo que a Roperto abriu em 1940 e chegou ao atual, na rua 13 de maio em 1942. Eu a conheci só nos anos 1980, quando já estava balzaquiana. Um só restaurante como este é capaz de contar a história urbana da região, das famílias domingueiras de outrora, aos turistas em que me incluo, ao movimento atual de revitalização da área. Um bairro que já foi tranquilo, depois perigoso, quase impenetrável, e que volta à normalidade de agora.

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O vinho do filé
Comida mais clássica de todas, comida sem pensar, filé com fritas iria bem com uma taça de Bordeaux anônimo, vinho da casa em algum canto parisiense. Mas, como estamos no Brasil, onde vinho ainda é caro (cada dia fico mais pessimista, acho que nunca vai deixar de ser), sugiro alguns tintos de elevada bebibilidade. Ou seja, para dar golões e não pensar no vinho, no seu papel coadjuvante mais digno.

1. Sino da Romaneira. R$93,95, na Portus Importadora (portusimportadora.com.br )
2. Cacique Maravilla Pipeño. R$85,40 a garrafa de um litro, na Costi Bebidas (costibebidas.com.br )
3. Salton Paradoxo Cabernet Sauvignon. R$53, na Wine (wine.com.br )
4. Bordeaux Club des Sommeliers R$28,90 (Pão de Açúcar )


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