Folha de S. Paulo


Pizza é algo que se pede em casa, como um monumento, uma 'commodity'

Helena Peixoto/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil. O Melhor de SP. Restaurante Braz Pizzaria, Bairro Pinheiros. Prato: Pizza
Pizza marguerita da Bráz Pizzaria

Eu não gosto de pizzarias, mas adoro pizza. Desculpem a contradição, que posso explicar. Acho que pizza é algo que se pede em casa, como um monumento, que sempre está ali, disponível, para todas as necessidades. Uma "commodity", algo sobre o que se funda a alimentação desta cidade.

Quando viajo, até posso provar, mas nunca é igual. A pizza paulistana é o que caracteriza São Paulo. Eu sei que ela não nasceu aqui, que as variações se deram, que há aberrações que fazem saltar a retina dos olhos só de imaginá-las, como as de brigadeiro, de abacaxi com Catupiry —a galeria de monstruosidades é enorme.

Lembro de uma entrevista do cineasta Martin Scorsese em que ele falava do chá nos filmes ingleses. Neles, quando havia um drama terrível, os personagens resolviam que uma xícara de chá era um conforto necessário. Se era para celebrar, também valia uma xícara de chá.

Vejo a pizza do mesmo jeito. Chego em casa, coloco a mala no chão, olho a desolação da geladeira, peço uma pizza. Estou feliz? Peço pizza. Amigos chegam sem avisar? Pizza. Sem vontade de cozinhar? Já sabe. Ela mesma, a caixinha de papelão que garante a continuidade da tradição.

São as três coisas que nunca são iguais fora daqui: comida árabe, pizza e o prazer das empadas. Esse é o tripé que segura o país e me dá alguma vontade de voltar.

A permanência do gosto.

Volto aos conceitos: pizzaria é um restaurante a mais. Pizza, não. Ela é um conforto, uma necessidade, como wi-fi, água corrente e luz. Pizza tem que chegar em casa, não é algo que vai-se comer fora. E também é preciso sobrar. Aquela embalagem esquecida na mesa, que no dia seguinte é pura alegria, com a fatia deixada da noite anterior.

Já está na hora de se fundar uma "denominação de origem paulistana" para o prato. Como ele será, não faço ideia —deixo para os especialistas. Não tem nada que dê mais polêmica. Fui olhar o que diz a história.

Alain Davidson fala que a pizza já é mencionada no ano 997 da nossa era, em Gaeta (porto entre Nápoles e Roma). Dali para cá, são mais de mil anos de "verdades indiscutíveis": a pizza tem que ser feita na lenha; tem que ter tomate; é da Calábria; é da Apúlia; não há possibilidades para além da versão napolitana; o nome Margherita é uma homenagem à rainha da Itália e leva ingredientes —queijo, tomate e manjericão— com as cores da casa real da Savoia (o branco, o vermelho e o verde, depois adotados pela bandeira da república da Itália).

Há mitos, lendas e histórias documentadas para todos os gostos. Podemos até ficar com uma versão meio mito, meio verdade. Na dúvida e na indecisão, peço uma pizza.

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Insista na taça

Se você perguntar a um especialista em harmonizações sobre o melhor vinho para acompanhar uma pizza, será bombardeado com dúvidas. Ela leva queijo? Se sim, qual (ou quais)? Se tiver aliche é uma coisa. Uma portuguesa, com seus ovos, pedirá outro vinho. Ou seja: você apresenta uma dúvida e recebe um leque tão amplo de respostas que boceja e pede um chope.

Ninguém vai comer uma pizza querendo um problema enogastronômico complexo. Bom, acho que em nenhum momento queremos esses problemas, e, sim, só um pouco de prazer. Antes de desistir do vinho e optar pelo chope, proponho uma taça de um tinto italiano, dos mais diretos.
Um Chianti Classico, por exemplo. Chianti Classico é uma região. A uva é a Sangiovese e não é aquele vinho na garrafa de palha pendurada de cabeça para baixo em cantinas. Aliás, foi feito justamente para melhorar a imagem desses vinhos deliciosos, confundidos com os Chianti baratos e, frequentemente, intragáveis. Esse combina com molho de tomate como nada no mundo.

A Bráz fez melhor e passou a importar um italiano do Maremma como seu rótulo próprio, Mazzei per Bráz, que acabei de provar. Ele é vendido em taça ou em garrafa. Pedi com a pizza, mantendo a minha regra de pizza em casa. A escolha foi por uma meia marguerita clássica com meia castelões. E, sim, ainda existe a antiga pizzaria Castelões, na Mooca. Abrindo exceções, vou para lá uma vez por década. É boa e um mergulho em outro mundo.

Vinhos da semana

(1) Trebbiolo La Stoppa, R$ 127,64 (Piovino, piovino.com.br )
(2) Mazzei per Bráz, R$ 110 (Bráz Pizzaria)
(3) Fichi d'India Rosso, R$ 64 (Winebrands, winebrands.com.br )
(4) Chianti Club des Sommeliers, R$ 29,50 (Pão de Açúcar)

*valores de referência

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Bráz Quintal
Onde: r. Gandavo, 447, Vila Clementino, tel. 5082-3800, (brazpizzaria.com.br ).
Quando: dom. a qui., das 18h30 à 0h; sex. e sáb., das 18h30 à 1h30


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