Folha de S. Paulo


Quarta onda do chocolate tem opções com altos percentuais de cacau

Gabriel Cabral/Folhapress
Chocolates da Amma
Chocolates da Amma

Dizem os especialistas que estamos na terceira temporada (ou onda, segundo a expressão em inglês "third wave") dos cafés. O termo diz respeito aos locais, quase religiosos, de culto ao grão, com o estereótipo do hipster de barba e camisa de flanela pesando a água, medindo a temperatura com termômetro a laser e sentindo aromas misteriosos (flores brancas, caramelo amanteigado, mel) no café.

Como o que ocorre com o vinho, a afetação faz parte da educação e é só um momento rococó da coisa —depois, passa. Faço uma caricatura, mas sempre procuro por eles em viagens. É a garantia de beber meu coado em um filtro Hario V-60 com a torra adequada e tudo o mais. Não bebo café ruim, queimado, errado. Ou seja: estou de acordo com os "terceiro-ondistas". Felizmente, São Paulo não decepciona nessa área.

O chocolate, por sua vez, não sei em qual estágio anda. Contemos. A primeira (onda) seria a do México de Montezuma. A segunda, a da barra doce ao leite que durou até os anos 1990. Foi então que, para mim, tudo mudou. Provei a revolução, a terceira onda: um chocolate 100% cacau, biodinâmico, orgânico, radical —como são os inovadores—, feitos por um malucão italiano chamado Claudio Corallo, na ilha africana de São Tomé e Príncipe. Era ruim, muito ruim. Parecia como comer um pedaço de terra seca.

No início é assim. O radicalismo é necessário, mas produz coisas intragáveis, como muitos dos vinhos naturais também o são.

Felizmente, essa batalha dos altos percentuais de cacau foi ganha pelos novos produtores, que puderam relaxar no seu zelo jihadista. Eles deixaram entrar um pouco de prazer na história, e já não é necessário defender teses com a nossa pobre língua. O Amma, da Bahia, é parte desta que seria a quarta onda. Tem o estilo da época, menciona origem, modo de produção e tal, mas permite que comamos com gosto.

Não sabia que tinham uma loja na cidade. Quando soube, fui visitá-la.

As lindas embalagens escondem surpresas, muitas. Provei o que consegui. Gostei especialmente da barra com flor de sal (chamada "Flor do Mar", com 75% de cacau), de uma com nibs (pedacinhos dos grãos de cacau) chamada "Nibirus" (também com 75%) e de outra que leva o nome Gula Merab (70%, com açúcar de coco). A receita com aroeira é ótima ideia, mas tem aroeira demais e achei desequilibrada.

A maior descoberta foi a barra Theobroma grandiflorum, que vem a ser o nome científico do cupuaçu.

Eu não sabia que cupuaçu era parente do cacau (que é o Theobroma cacao) e menos ainda que dava para fazer uma barra de chocolate com o mesmo processo que se usa para o cacau, torrando as sementes.

Dá para perceber o parentesco nos processos de transformação desses grãos todos? Secagem, fermentação, torra? Pois assim a Amma faz um delicioso chá de nibs. Ainda temos muito para aprender na área de fermentação e sobre chocolates.

Amma
Onde: al. Ministro Rocha Azevedo, 1.052, Cerqueira César, tel. 3246-1000 (ammachocolate.com.br ).
Quando: ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h30 às 19h; dom., das 12h às 20h.

*

Combinam com quê?
O novo chocolate, amargo, potente, que não derrete na boca, pouco doce (e até salgado), não é mais aquele que pedia uma tacinha de vinho fortificado. Anda em outras companhias na hora de ser consumido. Deixou de ser um doce e virou comida. O que tem dado mais certo é o vinho tinto. Pode ser um mais encorpado como os Malbecs "old school", frutados e pesados. Esse neo-chocolate não é para derreter e fazer coberturas de se lambuzar. É coisa séria, chocolate de adulto. Quando conheci o do Corallo, que citei antes, ele também produzia uma aguardente de cacau, uma bomba. Com 70 volumes de álcool, era para apenas molhar os lábios nela e enfrentar a lajotinha dura e inamistosa da sua barra 100% cacau.

*

A loja
Eu falo de comida e bebida, mas não consigo ficar calado. A loja da Amma fica em uma das poucas casas da Vila Modernista de Flávio de Carvalho que restou de pé. O imóvel já sofreu bastante abandono, mas não precisava, por dentro, da decoração parecida com uma loja de tatuagem da galeria do rock. Aquela arquitetura pede o branco, não a pintura verde e marrom. Ficou feio e desrespeitou o belo projeto original. Seria correto, já que estamos falando de origem, patrimônio e verdade do cacau, estender o conceito para a construção. Três poltronas projetadas por Carvalho enfeitam a sala, o que dá uma assinatura do autor ao lugar. Pintem tudo de branco, por favor!

*

Vinhos da semana

(1) El Enemigo Malbec, R$ 135,62 (Mistral, mistral.com.br )
(2) Altos Las Hormigas Malbec Terroir, R$ 101 (World Wine, worldwine.com.br )
(3) La Flor de Pulenta Malbec, R$ 79 (Grand Cru, grandcru.com.br )
(4) Bueno Vin Cabernet Sauvignon, R$ 46 (Bueno Wines, buenowines.com.br )

valores de referência


Endereço da página:

Links no texto: