Folha de S. Paulo


Vamos ao bistrô?

Raphael Criscuolo/Divulgação
Peixe grelhado com arroz selvagem, vegetais e emulsão de queijo, do Sympa *** ****
Peixe grelhado com arroz selvagem, vegetais e emulsão de queijo, do Sympa

Era eleição na França e me deu vontade de ir a um bistrô. Mas queria um da chamada "bistronomie", movimento surgido em Paris algumas décadas atrás, unindo os preços pagáveis dos bistrôs com a alta gastronomia —daí a palavra "bistronomie", uma junção das duas coisas.

A ideia da "bistronomia" foi de um grupo de chefs um pouco cansados, como o público, dos restaurantes muito pomposos e caros. Eles queriam oferecer algo melhor para todos, em todas as faixas de preço e que fosse coerente com o conceito daqueles pequenos restaurantes tradicionais: comida de grande qualidade em ritmo veloz e ambientação simples dos bistrôs tradicionais (sem toalhas na mesa, coisas assim).

Deu certo. Tão certo que está espalhado pelo mundo todo sem que saibamos que houve cabeças pensantes na criação da ideia —na decisão de oferecer pratos atraentes para bolsos diferentes.

O principal artífice da coisa se chama Yves Camdeborde. Quem já foi a Paris certamente comeu em alguma de suas casas, mesmo sem saber. As que mais gosto são a Avant Comptoir, cujo ambiente é formado quase que apenas por corredores onde se come de pé. Ali, os pratos em oferta são exibidos em plaquetas penduradas no teto, como bandeirolas, e vinhos bons são vendidos em taças.

Mas volto. Um amigo tinha me falado bem do Sympa, restaurante de extração francesa nos moldes citados acima, inaugurado onde antes funcionou o Epice. Telefonei, havia lugares disponíveis para a hora do almoço, e fui.

O ambiente é mais de restaurante, mas tem alguns bons clássicos da cozinha francesa rápida.

Aqui entra um parágrafo de cultura em pílulas: diz a lenda que a palavra "bistrot" vem do russo "bistra", que quer dizer rápido. Há uma fascinação dos franceses pelas coisas russas. Dá para ver pela quantidade de coisas dedicadas ao gosto russo na França, como perfumes com cheiro de couro russo ("Cuir de Russie"), chás com blends para os czares e os famosos e eternamente citados "Ballets Russes" de Diaghilev, Nijinsky e companhia, que mexeram para sempre no modernismo. Quando o exército russo acampou em Paris, no início da Primeira Guerra Mundial, os soldados entravam nos restaurantes baratos e pediam algo que estivesse pronto, bem rápido: "bistra!", "bistra". Etimologia delirante, mas divertida.

Russos ou não, filé tartare é um prato de bistrô. Já escrevi uma coluna inteira sobre ele. O do Sympa é ótimo, tem bom tempero e carne de qualidade. Em seguida, comi o polvo.

Foi então que me veio a constatação: polvo se tornou tão comum quanto frango nos cardápios.

Era algo raro, complicado. Agora, aqueles tentáculos grelhados frequentam os restaurantes da cidade. Não tenho resposta da razão por isso ter acontecido. Aumentou a oferta de polvo? Virou moda? É fácil de fazer? O do Sympa, servido com creme delicado de milho, estava delicioso.

O almoço todo foi bom. Quando saí, estava na Haddock Lobo, não em alguma ruela do Marais (bairro de Paris), mas a experiência serviu para me fazer esperar pelos resultados tensos da eleição presidencial francesa.

Apesar do frio, deveria recomendar um vinho branco para o que comi. Mas vou atender aos leitores: sugiro tintos de preço bom que podem ser bebidos em casa com outros pratos, com uma pegada de vinhos de bistrô, simples, amigáveis, fáceis de beber e sem frescura.

Sympa. R. Haddock Lobo, 1.002, Cerqueira César, região oeste, tel. 3061-2295. Veja aqui os horários de funcionamento.

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(1) Santa Julia Malbec, R$24,33 (Pão de Açúcar)
(2) Two Oceans Shiraz, R$39,50 (Pão de Açúcar)
(3) Aruma Catena Rothschild Malbec, R$83,28 (Mistral)
(4) Rio de los Pajaros Pisano (Merlot/Tannat), R$84,63 (Mistral)


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