Folha de S. Paulo


A cozinha da nutrição veloz: antes que o frio ou o inimigo chegassem

Bruno Santos/ Folhapress
Polska295, em Pinheiros

A comida do leste europeu não é muito presente aqui. Há pratos isolados, um ou outro restaurante (preciso pesquisar mais, ainda me devo um húngaro) e só. Uma amiga me recomendou os pierogi (o singular é pierog, pesquisei) do Polska295 —Polska sendo Polônia em polonês (saiu uma frase um pouco óbvia).

A especialidade do lugar são os pierogi, espécie de cappelletti com recheio de batata (meu favorito) e, por cima, deliciosa cebola frita até a caramelização. Gosto muito do prato, comida popular, simples, reconfortante. Comida "pobre", que esquenta no inverno.

Bruno Santos/ Folhapress
Pierogi de carne

Tenho umas fantasias que misturam leituras de Milan Kundera com filmes da guerra fria, um inverno daqueles cinzas em Varsóvia, Bratislava ou Praga e um café art nouveau fantástico, exuberante, mas meio decadente pelo descaso dos anos da cortina de ferro. É lá que vou, na imaginação, tomar meu shot de vodca, meu borscht quentinho e um prato fumegante de pierogi de batatas.

Alan Davidson, autor que sabia tudo de comida, no seu "The Oxford Companion to Food", diz que pierogi são tão comuns na Rússia quanto a literatura e estica sua presença para toda a Europa Oriental. Essas coisas são transnacionais, até pela infeliz mudança constante de fronteiras que aquela região passou no século passado.

Dá para fazer uma refeição toda só com eles. Comi o de batatas, o de carne e o de repolho com cogumelos. De sobremesa, comi...pierogi de maçã!

Bruno Santos/ Folhapress
Pierogi de maçã

Vou levantar umas raivas contra mim, mas não existe exatamente uma gastronomia polonesa. Há essas massas, algumas sopas, carnes assadas e tortas variadas. Países com clima adverso, que lidam com poucos produtos locais, uma cozinha de grãos e do que há e muita luta para sobreviver. Não surpreende que seja ali a origem da cozinha askenazy, a vertente da comida judaica do leste, com seus vareniques de batata (exatamente os pierogi), sopas translúcidas de caldo de galinha com bolinhas de matzo: cozinha de imigrantes, proteica, calórica, mas simples e de fácil execução.

Não dá para evitar a palavra "guerra" quando se fala do que se come na Polônia. A estabilidade palaciana com imensas cozinhas e tempo para elaborar pratos complicadíssimos resultaram na gastronomia francesa (e na italiana). Essa cozinha da pressa, da nutrição veloz antes que o frio ou o inimigo chegassem, deu nessa maravilhosa massinha com recheio. A tese nada científica é inteiramente minha, não precisa ser levada muito a sério.

Agora espero dos leitores desta coluna, que podem escrever para o e-mail da revista, sugestões de onde encontrar boa comida húngara. Abram suas cadernetas de endereços, agradeço.

Polska295
onde: r. Simão Álvares, 295, Pinheiros, tel. 3360-8090.
quando: seg., das 11h às 22h; ter. a sáb., das 10h às 22h.

*

Lado leste
Ainda não existe vinho polonês, que eu saiba. Não riam, com as mudanças climáticas coisas diferentes vêm ocorrendo. A Alemanha produzindo bons tintos, um vinho dinamarquês que provei em Copenhague (e era gostoso) e a maior surpresa, os espumantes ingleses, excelentes. Tem a piada que no futuro Bordeaux será na Suécia, pois o calor aumenta ao norte da Europa.

Mas ainda não há vinho na Polônia. Para compensar, diversos países do leste europeu produzem bons rótulos, os Pinots da Búlgaria já foram muito famosos e estão voltando a ter qualidade. Os da Geórgia são ótimos, os da Ucrânia estão em ascensão. A Eslovênia é mais parte da região de influência mediterrânea que estou citando, mas já pode ser considerada um dos grandes produtores de vinhos de qualidade. E, deixei para o final, a Hungria, sempre notável por seus Tokajs, vinhos doces de excelência.

Ouse uma uva
Tudo muito bonito isso aí acima, mas tudo é difícil de encontrar e as garrafas são muito caras. Optei por algo que me dá prazer e combina com a comida: Merlot, uva que se tornou símbolo aqui da serra Gaúcha, onde são produzidos vinhos macios, "aterciopelados" (não resisto, essa palavra tão cheia de textura, vinhos aveludados). A qualidade aumentou muito e hoje há uma denominação de origem, o vale dos Vinhedos (que aparece nos rótulos como D.O.).

*

Vinhos da semana
(1) Almaúnica Reserva Merlot D.O., R$ 93,50. (2) Don Laurindo Reserva D.O., R$ 75. (3) Guatambu Rastros do Pampa Merlot, R$ 54,50. (4) Fausto de Pizzato Merlot, R$ 49,50. Todos em vinhosevinhos.com.
*valores de referência


Endereço da página: