Folha de S. Paulo


Chinês Ton Hoi finge é que igual aos outros, mas tem pratos incomuns

Gabriel Cabral/Folhapress
Prato do Ton Hoi: robalo com molho de gengibre, moela, salada, wan tan e pão cozido
Prato do Ton Hoi: robalo com molho de gengibre, moela, salada de polvo, wan tan e pão cozido

Tenho dois livros de Fuchsia Dunlop, que considero a maior conhecedora dos meandros da cozinha chinesa e que traduz para nós ocidentais os prazeres da mesa da China. Foi com ela que descobri o feijão fermentado e a pimenta de Sichuan (uma das primeiras colunas do Volta&Mesa).

Uma coisa que ela frisa bastante é a onivoridade dos chineses, escreve repetidamente: "Os chineses comem de tudo". Tudo significa tudo mesmo, dos miúdos não mencionáveis para as pessoas mais sensíveis aos vegetais, raízes e frutas esquisitas. É mastigável, cozinhável e não venenoso, eles comem.

Pois se chineses comem o que aparece, nós só pedimos a mesma coisa: rolinho primavera, frango xadrez e bananas caramelizadas. Está errado.

Se é para consumir essa comida já meio descaracterizada, mais americana que chinesa, de caixinhas trazidas pelo delivery, nem justifica ir ao restaurante. Estou em revolta contra a mesmice. Passei a ler os cardápios em detalhes e pedir o diferente.

Fui me especializando nas páginas menos frequentadas dos menus. Se vou a um restaurante chinês, salto todos aqueles pratos que há em todo lugar. Vou lá no fundo nas entrelinhas e tento encontrar algo que fuja do comum, aquilo que o dono come, mas que não agrada tanto à clientela.

Meu favorito é o Ton Hoi.

Estou exagerando um pouco, como sempre. O Ton Hoi é bem conhecido por servir pratos incomuns e não é descoberta minha. Há alguns outros mais hardcore (penso no Chi Fu, por exemplo) em que quase nem se compreende português e onde comer é para aventureiros, com risco de resultado infeliz.

O Ton Hoi finge que é igual aos outros. Tem a decoração típica: vermelhos, dourados e dragões (verdade que mais equilibrados e menos carro alegórico que o pagode habitual no gênero). O cardápio, no entanto, tem bons pratos executados com uma fineza incomum.

Da última vez, comi de entrada as moelas no vinagrete. São moelas cortadas finíssimas, quase um carpaccio, meio durinhas, com o molho bem equilibrado. Depois, uma salada de polvos, com acelga, vários verdes e pedaços tenros do molusco, também puxada para a acidez do vinagre e muito saborosa. E o prato principal foi peixe. Acho que pouca gente vai a um restaurante chinês comer peixe, eles cozinham no vapor peixes inteiros, conforme a disponibilidade do dia. Comi robalo, uma perfeição. Tudo com pão no vapor, não pedi arroz.

O restaurante tem seus ritos. Cheguei e já tinha uma dezena de pessoas na porta esperando a abertura. Distribuíram senhas e, quando abriram, todo mundo correu para o corredor lateral e ficou, tensamente, esperando a mesa. É engraçado depois que passa, mas com fome e na ansiedade do "será que vou conseguir me sentar" dá um certo nervoso. A comida compensa tudo.

Gabriel Cabral/Folhapress
Johny Wong e Tommy Wong, proprietários do restaurante de comida chinesa Ton Hoi
Johny Wong e Tommy Wong, proprietários do restaurante de comida chinesa Ton Hoi

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Ton Hoi
Onde: av. Professor Francisco Morato, 1.484, Butantã, tel. 3721-3268.
Quando: ter., das 12h às 14h30; qua., das 12h às 14h30 e das 19h30 às 22h; qui. a sáb., das 12h às 14h30 e das 19h30 às 22h.

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Conexões francesa e portuguesa

Num futuro bem breve recomendarei vinhos chineses para acompanhar essa cozinha. Já bebi alguns, ainda medíocres, mas há investimentos tão grandes de tradicionais vinícolas do mundo na China (incluindo alguns grandes nomes de Bordeaux) e tanta terra disponível, nos mais variados climas e solos, que não há nada que impeça o surgimento de bons vinhos chineses.

Por enquanto, a escolha vai para vinhos que combinam com os pratos e o orçamento. Para o Ton Hoi especificamente, para o que comi, escolheria brancos com vivacidade, capazes de enfrentar a acidez do vinagrete e dos temperos da salada de polvo.

Resolvi indicar alguns Sauvignons Blancs, por estar com sede. Eles ficam bem gelados, são acidinhos, frescos, amigos de frutos do mar e ostras. Não vejo porque não se sentiriam bem com meu polvo, minhas moelas e meu peixe assado com seu toque de gengibre, cebolinha, shoyu.

Para quem não consegue viver sem tintos, um vinho da região portuguesa do Dão, com algum tempo de garrafa, ou um do Loire fará o serviço. Os atrevidos podem experimentar os ajerezados vinhos do Jura, região no nordeste da França, famosa pelos vinhos amarelos com leve traço de oxidação. São carta fácil para quase toda necessidade, combinam com muita coisa.

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Vinhos da semana

(1) Spice Route SB, R$ 119 (Ravin).
(2) Max Errazuriz Reserva SB, R$ 99 (Vinci).
(3) Neethlingshof SB, R$ 62, wine.com.br.
(4) Mucho Más SB, R$ 43 (Decanter).

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