Folha de S. Paulo


A melhor linguiça do mundo é feita em São Paulo

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 23-02-2017: Ambiente do Gijo Linguiças, localizado na Rua Doutor Pinto Ferraz, 16 - Vila Mariana. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Ambiente do Gijo Linguiças

Demorei demais e seu Gijo não me esperou. Ele nem sabia que eu estava escrevendo. Quase não conversei com ele nas minhas visitas à loja na Vila Mariana, na zona sul paulistana. Já sabia tudo o que precisava: que ali se produziam as melhores linguiças do mundo. "Produzo", ele me corrigiria.

Seu Gijo nem me contou nenhum caso, não cantou uma ária de ópera, andava meio jururu nas vezes que fui lá. Sentado, estava sorridente e mandou o vozeirão: "Pode comprar, é esta mesmo", percebendo a minha hesitação diante da variedade. Mas não se animou a bater papo e eu não insisti. Afinal, ele estava lá desde 1949 e tinha direito a encarnar o personagem quando quisesse.

A variedade para escolha é mesmo grande. Algumas linguiças precisam de explicação, pois são criações dele (uma dezena só de calabresas). Recomendou a romana, um quilo. Era muito, calculo que para umas dez pessoas, e somos dois. Pois comprei e não sobrou um pedaço. Há coisas que te incomodam, parecem chamar da geladeira ou do fogão. Já estava deitado e sentia o cheiro na memória. "Só mais um pedacinho", eu me prometia. E fui devorando noite adentro. Aquele sussuro da gula.

Dali em diante, sempre comprei a mesma. Demorei a guardar o nome (pesquisei, por isso, afirmei "romana" aí acima). Eu chamo de x-tudo, pois leva carne de porco, nozes, azeitonas, alcaparras e passas brancas e mais alguma coisa. Um monumento.

A loja continua uma atração, mesmo sem seu Gijo. Ele conseguiu fazer um cenário pitoresco, banco com as cores italianas, toldo chamativo, aquele ambiente cantineiro com o medo ao vazio estético, cada canto aproveitado e saturado de informação: são fotos, diplomas, prêmios, misturados com garrafas de vinho, escudos do Palmeiras, coisas para beliscar e muitas linguiças. Luiz Trozzi morreu em dezembro do ano passado e não vai imprimir, emoldurar e dependurar esta coluna no meio das outras menções na imprensa que enfeitam a loja.

Mas continuarei comendo a mesmerizante linguiça romana, um quilo para duas pessoas. Afinal, na minha vida, vi o inimigo ser a esquerda, a direita, o açúcar, o colesterol, a vanguarda, o álcool, o glúten e o cloreto de sódio. A carne de porco então... Foi considerada quase assassina, ainda por cima frita! Acho a ideia de pensar a comida como nutriente e não para o prazer aborrecida demais, ainda bem que o porco voltou para a lista de permitidos.

O plano era pedir a ele uma dica para a coluna, mas com meu atraso retiro do site uma de suas receitas de preparo da linguiça (que usei para fazer a romana durante o Carnaval). Só que eu frito no forno, numa frigideira de fundo bem grosso. Ele recomendava pingar laranja azeda e no final, fora do fogo, colocar meia dose de conhaque e deixar tampado um pouco para pegar o gosto.

Gijo Linguiça
Onde r. Doutor Pinto Ferraz, 16, Vila Mariana, tel. 5904-3694.
Quando de seg. a sex., das 8h às 19h; sáb., das 8h às 18h.

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 23-02-2017: Ambiente do Gijo Linguiças, localizado na Rua Doutor Pinto Ferraz, 16 - Vila Mariana. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Balcão do Gijo Linguiças, na Vila Mariana

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NO PÃO OU COM FAROFA

Os produtos do seu Gijo são especiais. A citada "Romana" é uma refeição, portentosa, temperada, despudorada nos seus sabores, nada delicada. Não sabe ficar no canto como coadjuvante. Melhor servi-la com uma farofa bem neutra ou até mesmo com fina farinha pura. Outra opção é com pão: o sanduíche de linguiça, clássico da informalidade, é uma perfeição. Nos dois casos eu gosto, até pela proximidade da origem, com vinhos italianos de Sangiovese ou um Barbera. Mas sempre dá para experimentar outra coisa, daí que sugiro uma nova casta.

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OUSE A UVA CINSAULT
Algumas uvas são mais rústicas ou menos imponentes, têm seu papel em blends, mas não são muito queridas sozinhas. Muitas vezes tiveram seu destino secundário traçado por acidentes geográficos, são de regiões menos nobres e acabam relegadas ao preconceito e ao nariz torcido. Então, vivem um dia de Gata Borralheira, algum enólogo doidão insiste nelas em outro lugar e conseguem grandes vinhos. Foi assim com a Carignan, com a Bonarda, com a uva chilena País e, provei na semana passada, com a Cinsault nas mãos de Marcelo Retamal, da De Martino. O vinho chama-se Cinsault Viejas Tinajas, importado pela Decanter, e é produzido em enormes ânforas centenárias (as viejas tinajas do nome). Um vinho para beber frio, fácil de dar goladas amplas e perfeito com o nosso sanduíche de linguiça romana.

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Vinhos da semana

Divulgação
Vinhos da Semana --- 05/03/2017

(1) De Martino Viejas Tinajas Cinsault, R$ 149 (Premium).
(2) Marqués de Griñon Crianza, R$ 130 (Winebrands).
(3) Temporada Malbec Fabre, R$ 65 (Premium).
(4) Doña Paula Los Cardos Syrah, R$ 64 (Inovini).
* valores de referência


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