Folha de S. Paulo


Restaurante Deigo serve comida japonesa, mas não é japonês

Gabriel Cabral/Folhapress
Fachada do restaurante Deigo, na Liberdade
Porta de entrada do restaurante Deigo, na Liberdade

Sempre que vou até lá lembro da versão cinematográfica de "O Falcão Maltês". Acho que é o trecho estranho de rua, escondido, sombreado por fícus enormes, a portinha discreta (quase sinistra, pois tenho grande imaginação...) e a luz vermelha isolada, ali no meio do nada. É um restaurante de filme noir, pelo menos da porta para fora.

Oficialmente é um restaurante japonês da Liberdade, o que é bastante corriqueiro. No estilo de adivinhação infantil, mas sem resposta óbvia, proponho o jogo: o que é japonês na aparência, pertence a japoneses e serve comida japonesa e não é japonês? A resposta: o Deigo, um restaurante okinawano.

A decoração não dá pistas, o cardápio tem sashimis, tem saquê. É preciso prestar atenção no que sai da cozinha, alguns pratos diferentes, joelho de porco ensopado, por exemplo. Seu menu, amplo, apresenta o melhor nos pratos da cozinha da ilha de Okinawa, extremo sul do arquipélago japonês.

Okinawa faz parte do Japão, mas remotamente foi um reino separado, sob forte influência chinesa (sugiro uma consulta ao mapa para entender o isolamento daquelas ilhas) e de clima quente, subtropical.

Por essas variantes históricas e alimentares, é um lugar da cultura do porco e suas receitas são mais fortes e temperadas que as sutilezas nipônicas. E elas têm pouco parentesco com o que chamamos comida japonesa. Consomem coisas que não são comidas no trivial japonês: pés de porco, miúdos.

Os imigrantes da região se concentraram, na sua chegada a São Paulo, na Vila Carrão, na zona leste. No bairro, dizem, funciona outro restaurante ainda mas radical na autenticidade —não consegui ir ainda.

Comer no Deigo não é muito fácil. Restaurantes com o perfil dele —que têm o seu público de sempre, não procuram divulgação, não querem crescer nem abrir filiais— não são fáceis para os outsiders. Estão quase sempre lotados pelos habitués: um clube para iniciados.

Não se intimide por isso, você será muito bem tratado. Mas os donos são retraídos, contentes no seu próprio universo, um pouco neste estado de alegria que é ter o que querem, sem aspirações.

Se não fosse a ótima comida, melhor seria nem tentar, mas aquele joelho... Sempre liguei joelho de porco à comida alemã, pois os ensopados do Deigo mostram uma versão robusta, mas oriental para o prato. E o que me atrai de verdade, comer goyá shampuru, um mexidão de carne de porco, ovos, tofu e o goyá (que explico abaixo).

Preparei um plano B no caso de comer lá ser impossível. E um C para contornar a outra dificuldade: encontrar goyá para comprar.

Gabriel Cabral/Folhapress
Pepino japonês amargo, geralmente utilizado na culinária de Okinawa
Pepino japonês amargo, geralmente utilizado na culinária de Okinawa

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Plano B: fazer em casa

Goyá é o nome okinawano para o nigauri dos japoneses, algo que se convencionou traduzir por pepino amargo. Tem a aparência de um pepino de plástico, parece delírio de filme de ficção científica, tão lisinho, cheio de bolhinhas redondas na superfície.

Quando está em estação, nos meses quentes, costumo encontrar na feira de rua do bairro, na Vila Mariana. Já comprei também na Liberdade, tanto em supermercados maiores de produtos japoneses como no Gordowu, a mercearia chinesa na avenida Conselheiro Furtado, 121. Só que o chinês é mais claro e achei mais duro para mastigar.

O preparo é bem simples. Tiro as sementes, corto em meias luas e douro na gordura do porco até ficar cozido e macio, sem desmanchar (não tem muito perigo de se desfazer, pois é bem firme). Daí vou misturando o resto dos ingredientes.

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Plano C: fazer em casa sem o goyá

Não achei goyá na feira, aí apelei de vez. Adoro jiló e decidi usá-lo no seu lugar. Não é a mesma coisa, mas queria uma fritada de ovos com bacon e algo bem amargo. A textura também não se parece. O jiló (parente da berinjela) é carnudo e cozinha. O goyá (parente do melão) fica sempre crocante na boca. Em comum, os dois têm o amargo, que no caso do goyá é mais forte. Claro que são sabores adultos, mas o vinho, a cerveja, o café, tudo isso que faz a vida melhor, não têm uma boa quantidade de amargor?

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Vinhos da semana

(1) Château Bois Chantant, R$ 95 (World Wine).
(2) Domaine de la Petite Cassagne, R$ 88 (Premium).
(3) Club des Sommeliers Pinot Noir, R$ 72 (Pão de Açúcar).
(4) Estiba I Cabernet Sauvignon, R$ 49 (Mistral).

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