Folha de S. Paulo


Acolhedor, restaurante Maripili tem saborosos embutidos catalães

Firme na tradição de não medir deslocamentos para comer bem, a parada foi longe. Gosto destas mudanças de cenário, ir parar num bairro em que tudo é diferente. É uma forma de viajar. Ruas em que se perde, pessoas que nunca se viu. Esta vida só nos lugares de sempre fica um pouco repetitiva.

Sempre gostei muito da comida espanhola, embora —lá vem a cantilena— falar dela é generalizante e errado. Quase não há traço unindo as receitas da Andaluzia às da região Basca ou as da Catalunha às da Galícia. Há a comida frita do sul e os pescados e frutos do mar das águas geladas do Cantábrico.

O Maripili, na zona sul paulistana, é uma casa de esquina, bem acolhedora. O restaurante, que não se define como de nenhuma região ibérica, tem os saborosos embutidos catalães, bacalhau a viscaina, coelho.

Pedi um prato de embutidos, com uma tacinha de Jerez (Tio Pepe, prefiro explorar o universo vasto desses vinhos fortificados inigualáveis, mas melhor ter um que não ter). E tive o estalo: a única coisa que há em toda a Espanha é tortilha de batatas. E o tempero unificador, o pimentón de la Vera, nas suas versões suave ou picante e com o leve defumado característico (os pimentões vermelhos são secados na fumaça). É quase páprica, mas diferente: o tipo de pimentão vermelho é outro e o processo de elaboração também difere, além de ser um produto com denominação de origem.

Tortilha pode ser comida como sanduíche, algo que me impressiona, uma redundância de amido, aquele denso omeletão de batatas dentro de duas fatias de pão. E funciona.

Meu prato principal foram os callos a la madrileña. Como sei que é um divisor de pessoas —há quem abomine dobradinha—, pedi, leitor, um segundo prato em seu benefício, o rabo de toro. Os callos estavam tão bons, que pedi para trazer a mais. E meia cumbuca sobrou —a porção é generosa.

Uma alegria foi ver vasta carta de vinhos com bom preço. O resultado era visível. O restaurante estava lotado —esperei para me sentar, pois fui sem reserva— e todas as pessoas consumiam vinhos. Contei dois rosados, diversos brancos e muitos tintos. Quem não estava com uma garrafa tinha uma taça com a comida —a oferta é boa nesse aspecto.

Apesar da distância da minha casa, quero voltar. Tinha coelho anunciado na lousa, tinha esta comida quixotesca "duelos y quebrantos" (ovos mexidos com chorizo e toucinho de porco), prato citado por Cervantes e umas catalanices, misturas de frango com camarões, por exemplo.

Maripili
Onde r. Alexandre Dumas, 1.152, Chácara Santo Antônio, tel. 5181-4422.
Quando seg. e ter., das 12h às 15h e das 18h às 23h; qua., qui. e sex., das 12h às 23h; sáb., das 12h às 15h30 e das 19h às 23h; dom., das 12h às 16h.

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VINHOS DA SEMANA

Divulgação

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OUSE UMA UVA

Falar de Espanha é pensar na uva Tempranillo, que está praticamente em todo o país e produz alguns dos seus grandes vinhos como os da Rioja, Ribera del Duero e Toro. Eu sou grande apreciador dos Riojas clássicos, os Reserva e Gran Reserva de casas como López de Heredia (Viña Tondonia), La Rioja Alta, Muga.

A Tempranillo é tão onipresente que se disfarça sob nomes regionais. Você lê no rótulo Tinta del País, Tinta de Toro (e Aragonez na vizinha Extremadura portuguesa e Tinta Roriz no Douro). Todas são a mesma uva. Meu nome favorito é o que recebe na Catalunha: "Ull de Liebre" (olho de lebre), uva de bagos pequenos e rubros.

Mas beber vinhos de Tempranillo é fácil. Queria estimular a curiosidade para os feitos de palomino fino, os vinhos jerezanos. Na sua forma mais jovem e fresca são imbatíveis como aperitivo, acompanham bem todo tipo de tapas, de azeitonas, amendôas, peixinhos em escabeche e presunto, são os Finos ou Manzanilla.

O processo de produção é complexo —não tenho espaço para explicar—, mas depois desses vinhos iniciais, matadores de sede, há alguns mais complexos, que combinam bem com todo tipo de comida, queijos fortes, carne de caça.

Os amontillados e olorosos são espetaculares e funcionam muito bem sem acompanhamento —uma dose assim, sem mais nem menos, pelo prazer de sentir seu sabor. Forçando a comparação, poderia dizer que são os portos da Espanha.


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