Folha de S. Paulo


Ceviche e vinhos verdes para comer e beber sem sentir calor

Fernando Moraes/Divulgação
Ceviche tropical, do La peruana
Ceviche tropical, do La peruana

A coluna desta semana devia se chamar Mesa&Volta, pois fiz tudo ao contrário. Comecei a pensar em comidas que refrescam. Faz calor, quero comer e beber normalmente. Como lidar? Tudo aquilo que pode manter meu prazer à mesa intocado, mas me dando uma sensação mais ventilante, sem apelar para ar-condicionado. Há comidas assim? Mais complicado ainda: como consumir álcool sem sentir calor?

A primeira sugestão que recebi de amigos: gaspacho. Gostei da ideia, mas queria algo de mastigar que não fosse apenas salada ou líquidos. Gaspacho é um sopa fria, mesmo tendo pedacinhos de cebolas, pimentões, tomates e até croûtons, como em algumas versões. Sopas não são grandes companheiras para vinhos, é um estufamento de líquidos.

Quando eu já me desesperava, uma vizinha iluminada, que morou no Peru, me deu a sugestão perfeita: ceviche. Ela ainda indicou alguns bons lugares. O problema continuou, pois todos estavam fechados nestas miniférias em que o ano custa a arrancar.

O jeito foi pesquisar e fazer ceviches em casa, para depois ir comer fora.

Minha comida de verão favorita é limão, quero dizer, leva limão. Numa sorveteria com dezenas de sabores vou escolher o de limão. Daí ser fácil me agradar com os ceviches. E o limão é a alma do ceviche, mas também sua técnica. É comum ler que o limão "cozinha" o peixe cru.

Não é bem assim.

Consultei o cientista da cozinha, Harold McGee ("Comida e Cozinha", publicado em português pela Martins Fontes em 2014), e ele explica direitinho: a acidificação firma a textura dos peixes crus, o líquido ácido (não só limão) coagula as proteínas do tecido muscular que, de translúcido e macio, se torna opaco e firme. Mas frisa: são uns 15 minutos para que só a superfície dos cubinhos de peixe sejam alterados, mantendo o interior cru.

Como explicar o papel dos cítricos contra o calor? O segredo de matar a sede nos vinhos é o mesmo que dá esta saciedade no ceviche: a acidez. Muita gente confunde quando falo vinho com boa acidez, pensa em azia, que vai ficar se sentindo mal. Vinho sem acidez não tem graça alguma, algo como caipirinha sem limão.

E a comida peruana que conheci —pouca, confesso— é fácil para os vinhos, com ênfase para os brancos sem madeira. Acidez com acidez, tudo frio, o vinho mais para gelado e de beber aos goles grandes. Nem pense em tintos com ceviche, é um dos piores choques possíveis. O vinho fica amargo, os taninos machucam a boca e estraga toda a graça da refeição. Umas bolhinhas irão bem também.

Verão, calor, comida fácil de fazer. Então, que os vinhos sejam igualmente gostosos, matadores de sede e refrescantes. Verão rima com descomplicação.

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Entendi o ceviche
Quando consegui comer o ceviche do La Peruana, entendi duas coisas. Que todos os que eu fazia estavam errados, por excesso de limão e tempo demais no contato do peixe com a marinada (é uma rápida passagem do peixe no caldo cítrico). A segunda é que estou entrando em uma zona perigosa. Há cítricos variados, peixes e frutos do mar também. Terei um longo verão testando camarões, lulas e peixes diferentes com limões verdes e siciliano, laranjas ácidas e até yuzu (a laranja japonesa tão delicada). Aprendi que ceviche não é só uma mistura de dois produtos, o pescado e o caldo ácido. E ainda esbarrei em uma receita de kinilaw filipino: peixes e frutos do mar imersos em um caldo ácido de vinagre de coco, mais cana-de-açúcar e condimentos. Cobicei.

La peruana Cevicheria
Onde: alameda Campinas, 1.357, Jardim Europa, tel. 3885-0148
Quando: ter. a qui., 12h às 15h e 19h às 23h; sáb., 12h às 23h; dom., 12h às 16h

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Os acidinhos
Se alguém pensou em vinhos verdes, acertou. Os verdes (que são brancos e geram uma certa confusão com este nome) vêm do extremo norte de Portugal, área chuvosa e onde as uvas amadurecem com dificuldade. A uva mais usada é a Loureiro, apesar de os mais solenes Alvarinhos também serem parte da região. Há, como sempre no país, uma quantidade de uvas diferentes. Mas estou simples, então me concentrei em vinhos verdes para consumo imediato, com os ceviches e um Loureiro de grande estirpe, para mostrar que a uva pode ser grande também, o Quinta do Ameal.

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Divulgação

(1) Aventura, R$ 158 (Adega Alentejana).
(2) Quinta do Ameal Clássico, R$ 130 (Qualimpor).
(3) Quinta de Balão Loureiro, R$ 43 (Adega Alentejana).
(4) Vinho Verde Club des Sommeliers, R$ 35 (Pão de Açúcar).

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