Folha de S. Paulo


Irmãs fazem acarajé de beira-mar em meio ao concreto de SP

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 16-11-2016: Tabuleiro do Acarajé, localizado na R. Dr. Cesário Mota Júnior, 611. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
O acarajé do Tabuleiro do Acarajé, na Vila Buarque

Acarajé é bom, acarajé na praia é melhor, pelo menos para quem gosta da beira-mar. Talvez por este motivo as irmãs Miri e Fátima de Castro tenham criado uma praia cenográfica, tropicalista e irônica, em plena rua Dr. Cesário Mota Júnior, ali naquele recanto "bucólico" que reúne Consolação, Maria Antônia, praça Roosevelt.

A praia delas não tem areia, mas tem muita gente, pelo movimento das faculdades nos arredores. É só concreto e trânsito. Fui lá várias vezes, de tarde ou de noite. Os carros descem barulhentos a ladeira, e eu ainda dividi o passeio com alguns passantes bem do centrão, aqueles andarilhos que transcenderam a existência comum.

As irmãs fazem a coisa acontecer, o mistério existe para eliminar o entorno. De repente, com um acarajé coloridíssimo na mão, saboroso, com todos seus direitos e deveres cumpridos (o bolinho, o caruru, a generosa dose de vatapá e pimenta), você está na praia! Urbana, cinza e de cimentão, mas praia.

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 16-11-2016: Fátima e Miri do Tabuleiro do Acarajé, conversando com a mãe. R. Dr. Cesário Mota Júnior, 611. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
As irmãs Fátima e Miri de Castro com a mãe Madalena, mais conhecida como Mainha

Se pudesse convidar alguém para levar lá seria Roland Barthes, talvez acompanhado por Jean Baudrillard, pois aquele rito de simulação é para intelectuais explicarem. Eles se divertiriam. Um simulacro, diriam os acadêmicos, um litoral baiano deslocado, que consegue ser de verdade por meia dúzia de gestos, umas cadeiras espreguiçadeiras, uma pintura na parede e, claro, comida.

Como manda o título da coluna, dei minha volta e caí aqui na minha mesa, em casa, com dois acarajés (e um no estômago) para matutar o que beber com eles, quais vinhos vão bem?

Algumas cozinhas não "pegam" em São Paulo, talvez por não conseguirem os produtos adequados para sua realização fora de seu território original ou por serem difíceis de conquistar gente demais.

Todo mundo diz "adoro comida mexicana". Acabei de chegar de uma viagem ao México; que eu saiba, apesar de ter ficado totalmente encantado pelo que se come no país, o que temos aqui é só a versão tex-mex, um acordo com o fast food americano para resolver a complexidade nada fácil da verdade mexicana. Nada de cacto nopal, de cuitacloche (o fungo do milho azul) ou de tortillas aromáticas (sem falar nas pimentas, nos moles de chocolate). O que se come aqui são Doritos com um guacamole insosso, servido como a coisa real.

Com a Bahia acontece parecido, todo mundo diz amar a cozinha de lá, mas, em São Paulo, não vai a um restaurante baiano de verdade. Só o Tabuleiro das irmãs Castro para salvar as cores da bandeira da Bahia. Elas fazem do jeito certo, a praia é fake, o acarajé não.

TABULEIRO DO ACARAJÉ
Onde Rua Dr. Cesário Mota Júnior, 611, Vila Buarque
Quando seg. a qui., das 18h às 21h; sáb. das 13h às 17h

Dendê, pimenta, vinho

Mais um dilema, como lidar com cozinha tão desavergonhada nos sabores? A tentação é dizer: acarajé é comida de rua, beba uma cerveja simples e gelada com ele. Mas eu comi em casa e pude provar com vinhos. E há vinho para tudo, apesar de (já falei isto antes) não ser obrigatório combinar vinho com tudo.

O que deu mais certo foram os vinhos frutados, com pouca madeira e refrescantes. Fiquei com os verdes e com os tintos do Loire, ou de Beaujolais, tintos de beber aos goles amplos, matadores de sede. E rosados, coisa que quase não bebo e quase não indico, por um problema brasileiro: os preços de brancos, tintos e rosados aqui são muito parecidos, todos são caros. Se a pessoa pode comprar uma garrafa decente para acompanhar sua refeição, é natural que escolha um branco ou um tinto. Além disso, muitos dos rosés em oferta estão velhos demais. São vinhos para beber logo, em quase sua totalidade, e encalham nas prateleiras e catálogos —daí acabam vendidos já decadentes, para que arriscar?

Deveríamos, sim, beber mais rosés, mas eles precisavam ser mais baratos, mais jovens e melhor elaborados (há muitos que são demasiado próximos dos tintos, perdendo sua personalidade mais ligeira e agradável).

Para não terminar de modo pessimista indico dois rosés nesta semana. Quem sabe eles não vão voltando ao gosto de todos? E dois vinhos verdes, porque são ótimos com acarajé.

Vinhos da semana

Divulgação
Sino da Romaneira rosé/Casa da Passarela rosé/Solar das Bouças Alvarinho/Adega de Monção

(1) Sino da Romaneira rosé, Portus (R$ 163)
(2) Casa da Passarela rosé, Premium (R$ 82)
(3) Solar das Bouças Alvarinho, Wine.com.br (R$ 58)
(4) Adega de Monção, Casa Santa Luzia (R$ 31)

*valores de referência


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