Folha de S. Paulo


Latas escondem sardinhas de safra e raros frutos do mar preservados

Temos vergonha das nossas latinhas. Ficam no fundo do armário e são usadas para "emergências", naquele dia em que não há nada para comer e fazemos um sanduíche de pão com sardinha.

Então, você está em Paris, vai a uma brasserie famosa, frequentada antigamente por Sartre e Simone de Beauvoir, e pede uma sardinha millésimée. O garçom vem com um prato, abre a lata na sua frente e a despeja no prato. Sardinha millésimée?

Pois, há sardinha com safra, igual a vinho. Ficam melhores anos depois de enlatadas. É preciso dar uma girada na lata, de vez em quando, para o óleo recobri-las por igual, enquanto se espera o momento certo de comê-las (uns dois ou três anos depois, ganham em sabor, ficam mais sutis, mais profundas).

Gabriel Cabral/Folhapress
A sardinha não foi feita para humilhar ninguém
A sardinha não foi feita para humilhar ninguém

Isso é só o começo. Há latas de mais de uma centena de euros. São raros frutos do mar preservados, grandes terrines e o maravilhoso e cobiçado "boudin noir" de Christian Parra, o que chamamos chouriço de sangue. Em Lisboa, tem a Conserveira, uma lojinha na Baixa, de onde carrego uma mala de latinhas Tricana.

Como a lata virou indesejada na nossa mesa? Com esse mistério me cutucando a cabeça, dei uma rodada pelas prateleiras da cidade de São Paulo, disposto a comer só enlatados numa refeição. E consegui.

A oferta encolheu, mas ainda há coisa de qualidade. As sardinhas, claro, provei algumas e fiquei com as da marca Luzdmar ("sardinhas em molho de tomate picante"), importadas pela Adega Alentejana, e Bon Appetit, clássica, com sua embalagem de cozinheiros animados em fila, vendida na Casa Santa Luzia. Com pão, cebola cortada e uma salsa fresca por cima, é uma entrada deliciosa.

De prato principal pode ser um espaguete com tentáculos de polvo em pedaços no azeite ou o bacalhau em molho temperado, ambas latas da marca Albo, importada pela La Pastina. Se ainda tiver fome, um arroz com lulas em pedaços da marca Ramirez, disponível em várias prateleiras de supermercados.

Quer algo mais sofisticado? As terrines: a de foie aux herbes da Hénaff, também importada pela La Pastina, ou a mousse de foie de canard au Porto, da Roger Vidal, vendida no Santa Luzia.
Para um dia especial, a melhor de todas, entretanto cara: a lata de foie gras de pato Feyel —200 gramas, R$ 165, na Allfood. Com umas torradinhas e uma taça de um vinho doce (Sauternes, Late Harvest, Colheita Tardia, que nome e origem tenha) faz o ponteiro medidor de hedonismo que tenho no cérebro ir lá no alto.

Foi assim, pratiquei a cozinha a golpes de punho, como diz um amigo espanhol (que vende as melhores latas de Barcelona). Ou seja, usei o abridor de latas desenfreadamente ou puxei argolinhas de abre-fácil. E comi bem.

Adega Alentejana. alentejana.com.br. Allfood. allfood.com.br. Casa Santa Luzia. santaluzia.com.br. La Pastina. lapastina.com.

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DA MESMA SAFRA?
As comidas enlatadas eram tão variadas que não têm um vinho específico. As sugestões da semana são garrafas provadas recentemente, que valem a pena. Se tivesse que escolher só um elegeria o Petit Chablis, que resolve todas as combinações, cheio de vivacidade, cristalino, fácil de beber.

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OUSE UMA UVA
No fim do mês passado, voei para a Cidade do Cabo para um evento de vinhos. Lá reencontrei a Chenin Blanc, variedade de uva que está sumindo no mundo e é a mais plantada na África do Sul.
Daí tive a ideia: propor nesta seção, de vez em quando, uma casta diferente de uvas para prova. Alguns dos melhores vinhos sul-africanos que bebi eram de Chenin Blanc, de brancos secos a doces muito especiais e até espumantes. Sugiro um deles, o Fleur du Cap Chenin Blanc 2015 (wine.com.br, importadora on-line, R$ 58), que é bastante refrescante e gostoso de beber frio. Como ocorre nas coincidências, acabei de voltar e fui apresentado a um vinho extraordinário da mesma uva, desta vez do seu Vale do Loire original, o Les Gruches 2014 do Domaine Bobinet (Gavinho, R$ 198), que é incrível. Tem aromas de favo de mel e algo de cítrico, é imponente na boca e vai muito bem com queijos. Não quero passar a ideia que o mais barato deva ser menosprezado, ele é uma ótima maneira de começar a entender a uva.

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VINHOS DA SEMANA

Divulgação

1. Esporão Trincadeira, Qualimpor (R$ 106, Qualimpor).
2. Petit Chablis La Chablisienne, Interfood (R$ 92).
3. Crios Syrah/Bonarda, Cantu (R$ 76).
4. Cortes de Cima Courela, Adega Alentejana (R$ 65).

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