Chacrinha, o folclórico apresentador de programas de auditório, perguntava: "Vocês querem bacalhau?!" e jogava para a plateia grandes pedaços do peixe seco. Como não era bobo, nunca acrescentava: "Vocês querem vinho para o bacalhau?", pois devia suspeitar que entraria numa enrascada.
Todo mundo gosta de bacalhoada, ninguém concorda sobre qual vinho combina melhor com ela. É só falar em bacalhau e vinho e a polêmica se instala. Inesgotável. Eu tenho minha opinião, mas discutirei outras antes de chegar a ela.
Para oferecer uma solução para o dilema, Paulo Laureano –enólogo alentejano de vastos bigodes e talento equivalente– criou dois vinhos, um branco e um tinto, chamados –oh, surpresa!–, Bacalhau Tinto e Bacalhau Branco.
Queria experimentá-los em combate e procurei um dos "bacalhoistas" mais famosos de Portugal e do Brasil, o chef Victor Sobral. Sobral tem um simpático restaurante lisboeta, uma pequena tasca, que fica numa esquina bem típica, daquelas que só Lisboa possui como cenário.
A rua é de paralelepípedos, o bairro é o amigável Campo de Ourique e para completar, o bonde faz uma curva bem diante do restaurante, como se fosse encomendado para dar cor local. Sua fama se fez ali, e agora ele vem espalhando "esquinas" pelo mundo —três delas em São Paulo.
Fui à Tasca da Esquina e apresentei meu problema. Amigo de Laureano, ele conhecia os líquidos e recomendou a moqueca de bacalhau para acompanhá-los.
É um chef confiável, não faz nada das maluquices já em desuso, desconstruir, transformar em espuma, ou outra aberração conceitual do tipo que vigorou no final do século passado e ainda aparece por aqui e ali. O bacalhau que faz é bacalhau, sem fugir do contato com produtos locais.
Foi daí que saiu a moqueca, com mandioquinha e leite de coco (não é o assunto de hoje, mas tem na sobremesa um toucinho do céu com amêndoas em escamas e sorvete ácido de maracujá que faz muito sentido. E o pudim abade de priscos, ode ao colesterol, que quase me faz mudar de tema).
Comi também uma posta alta, ao forno, pois é impossível para meu DNA ficar quieto diante do peixe símbolo da cozinha portuguesa. Achei o branco melhor com a moqueca, pelo adocicado do leite de coco. E o tinto foi bem com os dois, explico aí ao lado.
O que Sobral não me contou e só fui saber depois é que ele fez, anos atrás, 12 pratos para que um júri avaliasse os vinhos. Aqueles vinhos tinham sido originalmente criados para sua comida, fiz harmonização com um dos coautores, acertei sem querer.
TASCA DA ESQUINA
Onde Alameda Itu, 225, Cerqueira César, tel. 3141-1149
Quando ter. a qui., das 12h às 15h e das 19h às 23h30; sex., das 12h às 15h e das 19h à 0h; sáb., das 12h às 16h e das 19h à 0h; dom., das 12h às 17h
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Minha opinião
Só os vinhos criados por Laureano funcionam com bacalhau? Claro que não, seria o horror se fosse assim, pois faltaria vinho e criaria uma lei bem aborrecida, inibindo as experiências. Nem precisa ser nada definitivo, a graça do jogo é jogar. Depois, em casa, tentei outros vinhos mais modestos. Meu bacalhau ao forno gostou dos dois "Pé", eu preferi o branco, com uma acidez ótima para matar a sede do sal do peixe. Pratos com bacalhau aceitam muitos outros vinhos. A regra, se há alguma, é evitar tintos com muito tanino, dá um gosto metálico na boca -eu detesto. E há que se considerar as receitas, vinho conversa com molhos, sabores destacados, e não apenas no simplismo de branco com peixe. Eu acho que tudo dá certo com branco amadeirado, posição colocada em xeque pela maioria dos portugueses, que preferem os tintos.
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Outra história
Já o bolinho de bacalhau, que considero comida de boteco (isto é um elogio), iria muito bem com o vinho verde se aqui ele fosse trivial, estivesse em toda parte, vendido por taça. Na minha juventude, casa muito lusitana, toda sexta tinha bacalhau, e sempre com vinho verde. Mas o nosso cotidiano de bar é cervejeiro, talvez a melhor indicação, sem faca e garfo, comido com a mão, em porções repetidas. Qual cerveja? Isso já foge do meu controle, que opinem os especialistas; ou vá de chope mesmo, vamos simplificar a vida.
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VINHOS DA SEMANA
(1) Bacalhau Tinto 2013, Adega Alentejana (R$ 226)*.
(2) Bacalhau Branco 2014, Adega Alentejana (R$ 186)*.
(3) Pé Tinto 2013, Qualimpor (R$ 41)*.
(4) Pé Branco 2015, Qualimpor (R$ 41)*
* valores de referência