Folha de S. Paulo


O decanter para vinhos é realmente necessário? Veja como utilizá-lo

Fernando Sciarra/Folhapress

Pronto, comprou um decanter (há tradução: decantador, mas ninguém chama assim) e agora é preciso usá-lo. Será que era mesmo necessário?

Estou aqui para ajudar, não para complicar, sempre querendo que se beba mais vinho e que os armários tenham menos gadgets acumulados.

Decanter tem sido um dos meus alvos prediletos no quesito implicância –mais um estorvo na sua casa. Mas sem arrependimentos, nem reclamação. Já comprou? Vamos ver o que fazer com ele.

O decanter serve para decantar, óbvio. E o que significa este verbo? Rigorosamente, os vinhos que precisam passar por este processo são os antigos, que formaram uma borra no fundo.

Os afortunados que possuem alguns grandes Bordeaux antigos, ou um velho Porto, por exemplo, tiram a garrafa da posição deitada e de seu longo sono de décadas no escuro e na temperatura controlada, colocam por um dia a garrafa de pé, deixam que os sedimentos se acumulem no fundo. Eis a hora de sacar a rolha e, finalmente, decantar.

Usando uma fonte de luz, vão derramando com cuidado o líquido no recipiente de cristal, prestando bastante atenção para que não passem as coisinhas flutuantes, só o vinho límpido. É o ato clássico de decantação. Quantos vinhos assim você tem? Eu, pouquíssimos. E mesmo assim possuo meia dúzia de decanters...

O que todo mundo faz hoje é arejar os vinhos, um pouco por necessidade, um pouco por mito e mania.

Há uma lenda de que vinhos com taninos muito duros, vinhos jovens e potentes, vão ficar mais macios em contato com o oxigênio –ou ainda de que o teor alcoólico diminui. Sinceramente, o que leva muito tempo, anos, não vai ser conseguido magicamente por algumas horas num vidrão de boca larga. Ouço discordâncias, gente resmungando, dizendo que estou errado. Minha resposta: experimente.

Compre quatro garrafas de um mesmo vinho. Abra na mesma hora, em iguais condições de temperatura. Decante uma no seu mais caro decanter, outra no mais simples, a terceira coloque num vidro limpinho, qualquer vidro (eu uso um litro de leite antigo, que acho bonito, comprado na feirinha de velharias).

Da última, apenas retire a rolha e a deixe em cima da mesa. Espere um tempo determinado, duas horas, por exemplo. E prove, mas sem saber qual é qual (peça para alguém ajudar com isso). A diferença vai ser bem próxima de zero.

São bonitos os decantadores, tenho vários como disse, uso bem pouco, pois bebo poucos vinhos antigos, infelizmente. Meu favorito é a cafeteira Chemex, design lindo que está no MoMA (em Nova York), horrível para coar café e excelente para colocar na mesa com vinho. Enfeita e ainda dá assunto.

*

Vinhos e ar

Não nego que o contato com oxigênio altere os vinhos, mas para isto basta a taça, eles irão se modificando, embora nem taninos duros fiquem macios nem teor alcoólico se modifique.

Os vinhos apenas se abrirão, mostrarão outros aromas, pois estavam "dormindo" lá dentro da garrafa.

Se quiser arejar com vigor, siga Nathan Myhrvold, matemático e cientista, ex-executivo da Microsoft, que dedicou seus talentos para o uso da ciência nas coisas da cozinha.

Fez um livro magnífico, com fotos inacreditáveis, chamado "Modernist Cuisine", tijolo de 20 quilos, 5 volumes e que custa US$ 500 (R$ 1.650). Sua técnica para oxigenar vinhos? Bater no liquidificador....

*

Para compensar

Como esta coluna saiu meio mal humorada, sugiro quatro garrafas de Bordeaux, região de vinhos caros, com bom preço (e qualidade testada e aprovada aqui em casa).

Eles podem ser passados pelo decanter, alegrando quem tem o objeto. A quem não tem, basta abrir, servir e deixar um pouco na taça, enquanto se finaliza o jantar, ficará uma delícia para beber.

Dois deles, Clos de Reynon e Clos Floridene, são de um grande homem do vinho, Denis Dubourdieu, que morreu na semana passada, mestre em fazer exatamente isto: bons vinhos de preço modesto para dar prazer.

O Château Magence é um vinho excelente, com 15 anos de idade, e dará sentido ao uso do decanter.

divulgação/revista sãopaulo

Vinhos da semana
(1) Château Magence 2001 R$185 (Delacroix).
(2) Clos Floridene 2008 R$140 (Casa Flora).
(3) Clos de Reynon 2011 R$ 75 (Casa Flora).
(4) Domaine des Justices 2012 R$71 (Decanter).
* valores de referência


Endereço da página: