Folha de S. Paulo


O box bem temperado

Fernando Sciarra/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 29-04-2016: Luiz Horta no Mercado de Pinheiros. para coluna
Luiz Horta no Mercado de Pinheiros

Só digo uma coisa: não beba chá de cáscara sagrada..." é Bruno Alves, que abriu a Dëlika no Mercado de Pinheiros, que adverte. Ele está transformando sua loja no Grande Bazar de Istambul, ou num armário persa, pois aluga apenas um box.

Já estava de olho num espaço para levar sua Kød, de hambúrgueres, para lá, achou um lugar que tinha sido de embutidos e temperos. Chegou, viu velhos vidros cheios de muita coisa conhecida e alguns chás medicinais com nomes divertidos e funções misteriosas, provou: "agoniada", "nó de cachorro", "garra do diabo" e a tal "cáscara".

Resolveu mantê-los, como decoração, só que a sedução já tinha acontecido, testou tudo que estava nas prateleiras e deu o estalo: continuar a vocação daquele lugar. Ficou semanas envolvido em pesquisas, agora faz gravlax (o salmão curado dos escandinavos), pastrami (carne igualmente curada), rosbife, tapenade. Foi atrás de receitas, para evitar o pastiche ou a invenção de tradições.

Quando estive lá falamos das "herbes de Provence", coisa que não existe assim no sul da França. Na Provença, surpreenda-se, não cozinham com lavanda e menos ainda, não usam as "herbes de Provence", usam cada coisa separada.

É um tempero de nostalgia, uma Provença em saquinho para que suspiremos por campos de lavanda enquanto atracados com um engarrafamento bem paulistano. O que existe no mercado com este nome é um simulacro, em geral misturas meio suspeitas que, vira e mexe, exames mostram conter de palha de milho a raspas de madeira.

Bruno gostou de ser radical, usar as coisas de verdade, flores de lavanda, o gosto é bom. Depois o ras-el-hanout marroquino, o curry (com verdadeiras folhas de neen) e o advieh persa.

Eu trouxe para casa os três para experimentar. Fiz um daube a provençale (que é aquele prato que tem em todas as culturas, uma carne dura cozida lentamente em molho denso com vinho. O que mudam são os temperos das regiões).

Meu daube usava casca de laranja e um filé de anchova salgado no final, conforme a preferência e ensinamentos do poeta Paul Valéry. Coloquei as herbes da Dëlika, deu um toque aromático de campo, comer e sonhar é só começar. Para acompanhar um vinho igualmente aromático, delicado, da região ao lado, onde as mesmas ervas crescem, o Carignan do Domaine Rimbert.

E a cáscara sagrada? Não entrou nas receitas, não aconselho, e desaconselho também soprar temperos para fotos bonitas, respirei um pouco de harissa e espirrei uma noite inteira, parece rapé.

DËLIKA
Onde Mercado de Pinheiros, rua Pedro Cristi, 89, Pinheiros
Quando de seg. a sáb., das 8h às 18h

O rosbife é uma das boas opções da loja. Prove também o gravlax

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Os meus preferidos
Advieh feito para usar na comida salgada, ficou ótimo no chocolate quente
Ras-el-hanout O melhor do balcão; para acompanhar, tenha à mão um vinho especiado

De família

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 2016: Tempero Adivieh, usado na culinária persa e mesopotamica para coluna de Luiz Horta na revista sãopaulo. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)

O advieh é vagamente persa. No sul do Irã, é um tempero caseiro que muda de família para família, com algumas constantes. O de Bruno Alves leva pétalas de rosa, canela, cardamomo e mais. Era para usar com comida de sal, com carneiro (fiz um molho para o frango assado e alternei nas taças dois tintos portugueses, o Chocapalha e o Esteva). Deu vontade de provar com doce, um carinho final sobre a mousse de chocolate, ou o iogurte. Uma pitada no chocolate quente foi a melhor opção, esnobismo do bem. Todos os vidrinhos de 40 g. custam R$ 10 (a granel os preços são variados).

Jazz em tempero

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 2016: Tempero Has el Hanout, uma mistura de especiarias típica da culinária do norte da África, para coluna de Luiz Horta na revista sãopaulo. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)

O ras-el-hanout, este é marroquino da gema, significa "o melhor do balcão"; seria uma oferta do vendedor com um blend do que tem de especial no dia, no improviso, jazz. Antigamente, entrava algum inseto afrodisíaco (tudo que se quer colocar extra basta dizer que é estimulante dos amores que cola), mas o uso foi proibido, felizmente. O da Dëlika não tem inseto algum, é aquele bom aroma de tempero norte-africano, o acidinho do sumac (frutinha que moída entra também no zahtar). Usei num cuscuz, a obviedade é a mãe do aprendizado; antes de inventar, melhor fazer o clássico. Tempero forte pede um vinho especiado, a Syrah é uva com aromas característicos de pimenta do reino. O Nederburg sul-africano faz bonito com preço lindo.

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Vinhos da semana

Esteva 2014, Zahill importadora (R$ 95)*.
Quinta da Chocapalha Tinto 2010, Adega Alentejana (R$ 125)*.
Nederburg Winemaster Shiraz 2013, Casa Flora (R$ 56)*.
Carignan 2014 Domaine Rimbert Delacroix Vinhos (R$ 78)*.

*valores de referência


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