Folha de S. Paulo


Marcha do militarismo

A Lei 13.491/17, recentemente sancionada pelo presidente da República, é resultado de manobra ardilosa e inconstitucional.

O crime de homicídio praticado por agentes das Forças Armadas contra a população civil, durante operações de segurança pública, será julgado pela Justiça Militar e não pelo tribunal do júri, como acontece com qualquer cidadão.

O retrocesso em matéria de direitos humanos não se credita só ao governo Temer. O arranjo teve apoio à direita e à esquerda. Uma oposição reduzida de oito senadores votou "não" contra 39 votos "sim" (dois do PT) e muitas ausências.

O projeto de lei da Câmara dos Deputados para a proteção de soldados e oficiais chegou ao Senado em julho de 2016. Pressionados pela aproximação dos Jogos Olímpicos, parlamentares queriam criar um foro especial e transitório para militares envolvidos em policiamento, com data marcada para deixar de existir: 31 de dezembro de 2016. Era para vigorar imediatamente e por poucos meses, mas o Senado deixou o tempo passar.

Mesmo que essencialmente caduca, a proposta legislativa tramitou e foi aprovada este mês pelos senadores, mais de um ano depois de encerrados os Jogos Olímpicos, sem alterações que obrigariam a remessa do texto para nova apreciação pela Câmara dos Deputados.

É um desmanche do passado. Como o texto não tem sentido jurídico, Temer vetou o artigo que prevê a vigência do foro especial até 31 de dezembro do ano passado: o transitório virou permanente.

É pouco provável que o Congresso derrube o veto que desvirtua a proposta legislativa original. O militarismo teve outras vitórias. Em maio, a primeira Turma do Supremo decidiu que "pratica crime militar o civil que desobedece ordem de militar em atividade de patrulha".

Dias antes de deixar o cargo de Procurador-Geral, Rodrigo Janot opinou pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade movida em agosto de 2013 pelo antecessor, Roberto Gurgel. O processo, distribuído a Marco Aurélio no STF, queria a submissão de militares ao ordenamento jurídico civil em crimes praticados por ou contra civis.

A nova lei não beneficia a PM dos Estados, mas a pressão corporativa para, com o tempo, ser incluída no pacote militarista, é bastante promissora. O Supremo é errático, confisca direitos.

As Forças Armadas, habitualmente nas ruas do Rio de Janeiro, estão se fortalecendo. A atuação em favelas não tem similar no Leblon, mas cada vez mais habitantes da cidade maravilhosa serão atingidos por estilhaços de regulamentos castrenses.

O Código Penal Militar foi imposto pela junta que governou o Brasil após o afastamento do general Costa e Silva em 1969 (golpe dentro do golpe). Algumas distorções técnicas: a pena para quem corromper o delegado (dois a doze anos) é maior que a pena prevista para quem corromper o oficial (um a oito anos); o militar tem pena inferior para estupro (três a oito anos) e atentado violento ao pudor (dois a seis anos) do que o estuprador comum (seis a dez anos).

A Justiça Militar, mais benevolente em época de "paz", tolera o "excesso escusável" das tropas, decorrente da "surpresa" e da "perturbação de ânimo", e ainda persegue a "pederastia". Não é obra de ficção não, é fato.


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