Folha de S. Paulo


Apesar do Congresso desmoralizado, produção legislativa afeta a população

Pedro Ladeira - 15.fev.17/Folhapress
Sessão de votação no plenário da Câmara dos Deputados
Sessão de votação no plenário da Câmara dos Deputados

Desde 4 de abril, Michel Temer sancionou 17 leis ordinárias. Eventuais vetos podem ser derrubados no prazo de 30 dias pela maioria absoluta dos deputados e senadores.

É interessante observar que, a despeito dos escândalos de corrupção e da desmoralização extrema do Congresso –o teor da conversa entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, divulgado em 18 de maio, praticamente paralisou o governo: apenas três leis foram sancionadas depois–, a produção legislativa no período afeta, com maior ou menor
intensidade, a vida da população.

Além da conversão de duas medidas provisórias de 2016 com importância econômica (haverá jabutis?), algumas leis são de impacto simbólico: inscrição do nome de Zuleica Angel Jones no "Livro dos Heróis da Pátria", transformação de agosto em "Mês do Aleitamento Materno", criação do "Dia Nacional do Teatro Acessível" e do "Dia Nacional do Perdão" (o sonho inconfessável dos políticos investigados), a ser celebrado em 30 de agosto, e concessão do título de "Capital Nacional do Gado Jersey" a município de Santa Catarina.

Com consequências concretas, entraram em vigor cinco leis alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma delas cria a "escuta especializada" para proteger vítimas e testemunhas de inquirições inadequadas ou constrangedoras em inquéritos e processos judiciais. Outra, temerária, prevê "infiltração" de policiais na internet, autorizada pelo Judiciário, para investigação de crimes contra a dignidade sexual de menores, que pode perdurar por até 720 dias: o texto dá imunidade ao investigador, que só responderá pelos "excessos praticados", mas sem especificar quais seriam.

Como a barbárie tem repertório infinito, o Código de Processo Penal foi alterado para proibir o uso de algemas em mulheres durante o parto.

O Tribunal Superior Eleitoral ganha força institucional com a lei que cria a "Identificação Civil Nacional". Terá reforço orçamentário e armazenará informações de diversos bancos de dados para certificar o documento único que todo cidadão usará no futuro.

Ainda em matéria de investigação, uma surpresa corporativa: a Lei 13.432 oficializa a figura cinematográfica ou melancólica, depende do ponto de vista, do "detetive particular", com direitos (como o de "preservar o sigilo da fonte", equiparando-o a jornalistas, o que é absurdo) e deveres (respeitar a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem das pessoas, um dever de todos).

A Lei de Migração revoga parte do entulho autoritário do regime militar, a Lei de Estrangeiros -inteiramente pautada pelos princípios da Segurança Nacional. Os vetos de Michel Temer, a maioria motivada para a preservação do poder de polícia e da soberania nacional, não desfiguraram o texto aprovado, que desburocratiza de forma real e saudável a vida de estrangeiros no Brasil.

Não temos o hábito de fazer o acompanhamento sistemático e crítico do resultado dos trabalhos legislativos, assunto para outra coluna, razão pela qual é difícil dizer se a proporção de 17 leis em 60 dias atende às expectativas democráticas. É pouco, é muito? Mas a máquina, sempre atenta a interesses legítimos ou bizarros, apesar das crises, nunca deixa de funcionar.

lfcarvalhofilho@uol.com.br


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