Folha de S. Paulo


A polícia de ponta-cabeça

Não é surpreendente o resultado da pesquisa realizada pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: além de temer criminosos (o Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídio do planeta), a maioria da população (59%) tem medo de agressões da PM. O número cresce (67%) entre jovens de 16 a 24 anos.

A Polícia Civil, com a imagem historicamente comprometida pela corrupção, também gera medo em 53% dos entrevistados.

A PM é preparada para enfrentamentos. Trata todos como suspeitos. Quanto mais distante do olhar crítico da imprensa, quanto mais afastada do centro geográfico das grandes cidades, mais excessos, mais truculência. O país se acostumou e vê com certa naturalidade tiroteios, batidas indiscriminadas, humilhação e prisões para averiguação.

Daniel Guimarães - 15.mar.2015/Folhapress
Carros da PM durante operação na zona oeste de São Paulo
Carros da PM durante operação na zona oeste de São Paulo

Outro resultado da pesquisa do Datafolha, aparentemente contraditório, ajuda a explicar o sentimento de insegurança: 57% dos entrevistados concordam com a frase "bandido bom é bandido morto". O número cresce em cidades menores e na população com menos escolaridade. Neste círculo perverso de violência, "bandidos" se confundem com "não bandidos" simplesmente porque se parecem com "bandidos".

Se o Brasil está cansado da impunidade, o que estimulou a festejada decisão do Supremo Tribunal Federal a favor da prisão do condenado após o julgamento de segunda instância (antes, portanto, do veredicto judicial definitivo), em relação a abusos de autoridade a intolerância deveria ser ainda mais drástica. Mas não é.

Policiais envolvidos em ocorrências graves não deveriam ser imediatamente afastados? Permanecem nas ruas. Para a pessoa comum, as corregedorias são escritórios de intimidação. No Judiciário, a palavra de policiais prevalece, quase sempre, quando há confronto de versões. No Parlamento, a bancada da bala se fortalece e defende interesses corporativos. A lei de abuso de autoridade do regime militar, ainda em vigor, é incapaz de punir as violações das liberdades constitucionais.

O número de mortos pelas polícias no Brasil em 2015 cresceu 6,3% em relação a 2014. Foram 3.345 mortos pelas forças de segurança, nove indivíduos por dia, a maior parte (45% dos casos) concentrada no Rio de Janeiro e em São Paulo. "Tenho ódio da polícia", diz a mãe de uma vítima ouvida pela reportagem da Folha.

A guinada do Brasil para a direita é componente novo. A Justiça da Infância e da Juventude de Brasília autorizou o uso de estratégias inusitadas para a desocupação de escola em Taguatinga, inspirada, talvez, em Guantánamo: privação do sono e da alimentação. É assim que se enfrenta movimento estudantil, certo ou errado, justo ou estúpido?

Em Santos, a PM interrompeu encenação de peça teatral ("Blitz - O império que nunca dorme"), algemou e prendeu um dos atores por considerar o espetáculo em praça pública uma "afronta" à corporação (os atores usavam fardas) e também pelo desrespeito a "símbolo nacional", a bandeira brasileira hasteada de ponta-cabeça.

Uma coisa nada tem a ver com a outra? Talvez. De ponta-cabeça está a polícia, que mata e assusta demais. Além do latente despreparo psicológico das tropas, a veia autoritária dos seus comandantes encontra mais espaço para prosperar.


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