Folha de S. Paulo


Collor estava mais isolado do que Dilma, que conta com militantes

Interessante a busca de diferenças entre Collor e Dilma.

Em 1992, forças políticas alternativas, a começar pelo próprio PT, ainda radical e atento aos princípios da moralidade administrativa, mobilizaram setores da sociedade para afastar o presidente. A insatisfação com Dilma fez emergir uma onda poderosa de protestos, mas sem lideranças expressivas, quase espontânea, desconexa e despolitizada, os partidos a reboque.

A pessoa de Collor foi atingida por revelações pontuais como a dos jardins da Casa da Dinda –ainda que tenha sido absolvido depois da acusação de crime comum. Há o sentimento de que Dilma é honesta: por isso, e apesar de tudo, não mereceria o mesmo desfecho.

Os crimes de responsabilidade de Dilma, como as pedaladas fiscais e a violação de regras orçamentárias, exigem compreensão de complexidades técnicas. Os crimes de Collor tinham a lógica singela do Fiat Elba. O governo Collor acabou porque se descobriu o esquema de PC Farias. O governo Dilma desmorona diante do esquema petista. Na era Collor, a inflação assombrava. Com Dilma, a economia se esfacela.

Collor estava mais isolado, na planície e no Planalto. A tropa de choque era impotente. Dilma conta com militantes de partidos de esquerda e movimentos sociais. Ameaçados pelo futuro, têm capacidade de articular, fazer barulho e propagar a iminência de um suposto golpe. A qualquer preço, a máquina negocia votos.

A saída de Collor teve apoio da inteligência nacional. No caso de Dilma, intelectuais e artistas se dividem. Chico Buarque deixou de ser unanimidade. Hoje, para onde se olha, falta compostura.

Além do Executivo moribundo, os presidentes da Câmara e do Senado, que integram a linha sucessória, só despertam desconfiança. O Congresso Nacional é a instância de julgamento e pelo menos 58 parlamentares são réus criminais, sem contar os investigados. São partidos demais e sem representatividade. O PMDB, do vice-presidente, também é ameaçado pela Lava Jato.

O Supremo às vezes parece 11 entidades paralelas, não um colegiado. Liminares apontam para lados opostos, interferindo no processo político, ministros palpitam sobre tudo, como se fossem colunistas de jornal, gerando insegurança e especulação, em vez de estabilidade.

Se o governo federal financia pessoas e entidades que o apoiam, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) virou instrumento de propaganda de seu presidente que, por acaso, não é industrial. A OAB, como mostrou Hélio Schwartsman, não representa os advogados brasileiros.

Perigosamente dividido, moralmente destruído, o Brasil pode se converter, aos olhos do mundo, em algo parecido com um jato estacionado em canto esquecido do aeroporto, como um espantalho, ainda ostentando a marca da companhia aérea falida. Vítima de desmanche, a fuselagem consumida pelo tempo, pela ferrugem, pela poeira e pelo mato: a sensação de que aquela máquina não voará nunca mais.

Difícil dizer o que seria melhor ou pior para o país: a permanência de Dilma e sua absoluta incapacidade de governar ou o governo Temer, cercado de descrédito. Nos tempos de Collor, a dúvida não existia.


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