Folha de S. Paulo


Faroeste

Especialistas apontam três causas para a redução expressiva de homicídios no Estado de São Paulo desde 2001 (a taxa de 32,55 por 100 mil habitantes caiu para 10,06 em 2014): melhoria das políticas de segurança pública, desarmamento da população e uma suposta mudança de atitude do PCC, que teria estancado a guerra entre grupos rivais e implementado modelo menos violento de tráfico com a retirada de armas das "bocas de fumo".

A Secretaria da Segurança Pública refuta a tese do autocontrole da facção criminosa e ressalta as próprias virtudes, que existem, mas não são tão admiráveis assim -pela letalidade extrema das ações policiais. A controvérsia, dada a impossibilidade estatística de comprovação, é insuperável. E o alto índice de encarceramento em São Paulo é fator que não pode ser esquecido.

Muito embora o referendo de 2005 tenha legitimado o comércio de armas e munição no país, com amplo apoio do eleitorado (63,94%), a política de entrega voluntária, punição dura do porte ilegal e rigor para concessão de licenças é caminho eficaz.

O mapa da violência no Brasil aponta queda do número de homicídios entre 2003 (ano do Estatuto do Desarmamento) e 2007: a taxa de 28,9 por 100 mil habitantes caiu para 25,2. Depois, volta o recrudescimento, apesar da tendência de diminuição mantida em São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Mas qual seria o impacto do afrouxamento da lei, acalentado pela indústria de armamento e conduzido pela bancada da bala, infiltrada nos diversos partidos? Suavizar exigências burocráticas? Seremos surpreendidos -numa conjuntura de desgoverno- com nova lei, aprovada de repente, revertendo esse esforço de pacificação?

Circula na internet manifesto a favor do acesso às armas por advogados. Haveria situação de "desigualdade", pois juízes e promotores têm o direito de se armarem.

A suposta paridade de armas (literalmente) deveria se dar pelo desarmamento: Justiça não é faroeste. O que causa espanto é a possibilidade, em vigor, de juízes e promotores adquirirem armas pela profissão que exercem (assim como auditores fiscais e analistas tributários), ainda que, eventualmente, não tenham aptidão psicológica.

Mesmo quando o funcionário (juiz, promotor ou fiscal) é ameaçado, a medida não se justifica. O Estado deve protegê-lo. Entregar arma para quem se sente vulnerável amplia situações de risco.

A frase de Adam Smith ainda merece lembrança: "Gente do mesmo ofício raramente se encontra, mesmo que só seja por passatempo, sem que a conversa acabe em conspiração contra o público".

Há espaço para restringir mais o uso de armas, inclusive por agentes de segurança. As figuras do caçador, colecionador e atirador não fazem falta.

Segundo "The New York Times", nos EUA, paraíso das armas, o número de mortos desde 2011 é superior ao das vítimas das guerras da Coreia, Vietnã, Afeganistão e Iraque reunidas. São 351 ataques com múltiplas vítimas (mass shootings) só em 2015.

No Brasil, foram, em média, 143 homicídios por dia em 2014. Sem contar os da PM. Aqui, até armas apreendidas estão ao alcance de atiradores: furtaram sorrateiramente mais de 200 do fórum criminal da Barra Funda; domingo, assaltaram o de São Miguel Paulista.

lfcarvalhofilho@uol.com.br


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