Folha de S. Paulo


Corrupção e bola pra frente

A principal semelhança entre governantes e dirigentes esportivos é que eles lidam com dinheiro que não lhes pertence. A diferença é que a legislação penal alcança políticos desonestos. O problema transcende o futebol. Não existe no Brasil a figura da corrupção privada.

Condutas condenáveis no âmbito da administração pública, como prometer vantagem para funcionário praticar determinado ato ou exigir algo em troca de contratações, quando acontecem na iniciativa privada e não geram prejuízo para a empresa, representam apenas quebra de confiança. Ficam no território da ética. A antiga Lei de Imprensa, revogada pelo STF, punia o jornalista que procurava obter vantagem para não publicar uma notícia. O Estatuto do Torcedor estabelece prisão de dois a seis anos para quem aceita ou oferece pagamento para alterar resultado de competição esportiva. Mas o vácuo legislativo existe e projetos tramitam no Congresso.

Grandes corporações criam mecanismos internos de controle para tentar inviabilizar desvios de conduta. Mas, no Brasil, se um executivo receber suborno para escolher entre dois fornecedores que apresentaram propostas semelhantes de preço para produtos similares, estará livre de processo criminal.

Isso significa que escândalos do futebol que atingiram Fifa e CBF ou as desastrosas administrações do São Paulo Futebol Clube, caso não se configurem um prejuízo econômico concreto, estarão impunes por aqui. O que pode proporcionar eventual punição são os aspectos laterais da corrupção, como fraude fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Mas a receita para a legitimação da propina é simples. Basta a simulação bem feita de pagamento de honorários profissionais ou de consultoria em favor de parente ou amigo do beneficiário, com impostos devidamente recolhidos, para que contratações milionárias de atletas, patrocínio ou direitos de transmissão sejam firmados em desfavor da contratante. A aquisição de um jogador de futebol, por exemplo, pode estar dentro do subjetivo e infinito mercado da bola, mas o dirigente encontra espaço para abocanhar um pedaço do valor.

Tecnicamente, confederações e clubes são entidades privadas e seus dirigentes dizem atuar por "amor" ao esporte ou à camisa. José Maria Marin e Ricardo Teixeira vivem as aflições criminais de hoje porque os subornos que supostamente receberam tiveram como origem empresas com sede nos EUA ou porque a dinheirama circulou por bancos norte-americanos. Caso contrário, estariam bem humorados e reafirmando que não devem satisfação a ninguém.

Política e esporte caminham de mãos dadas. Até o venerável Ulysses Guimarães foi cartola do Santos. O corintiano Andrés Sanchez é o deputado paulista com mais votos no PT. O filho de Lula conseguiu a proeza de arranjar patrocínio de grandes empresas para um torneio de futebol americano que, no Brasil, tem tanto apelo popular como o simpático "curling" dos Jogos Olímpicos de Inverno.

E por falar em Olimpíada, os comitês organizadores nacionais e internacionais também são entidades privadas. Em meio ao ufanismo carioca e à desenfreada realização de obras, a possibilidade de algum escândalo se revelar no rescaldo da Rio-2016 não parece ser remota.


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