Folha de S. Paulo


Mortes e mais mortes

No rescaldo da brutal chacina de Osasco e Barueri, que contabiliza 19 mortos, o comando da PM reagiu no Facebook a críticas recebidas afirmando que não se pode "generalizar toda uma classe de trabalhadores por causa de atos supostamente praticados por bandidos que integram temporariamente a instituição". A mensagem é essencialmente correta.

A corporação é de fato composta também por policiais honestos, atenciosos, destemidos e protetores e tem se esforçado, com mais ou menos intensidade, conforme a região do país e a repercussão de episódios negativos junto à opinião pública, para expurgar quem se aventura pelo mundo da violência e da arbitrariedade.

Mas há algo de errado na formação e no controle da atividade policial no Brasil, e notícias recentes ajudam a explicar o descompasso que se vê entre o ideal civilizatório de segurança pública e a prática repressiva –sobretudo quando a polícia age em regiões periféricas das grandes cidades.

Além de policiais que permanecem na ativa portando extensa folha corrida de crimes pendentes de julgamento (é o caso do suspeito de envolvimento na chacina de Osasco e Barueri preso nesta semana), a corporação tem um indicador preocupante e que se tornou do conhecimento geral graças à Lei de Acesso à Informação. Entre 2005 e 2014, 14.756 policiais militares de São Paulo foram afastados do serviço por transtornos psiquiátricos: em média, quatro casos de afastamento por dia, o que revela falha no recrutamento ou uma qualidade de vida profissional esfacelada.

As corregedorias agem a reboque dos acontecimentos e, pela ausência de controle externo de suas atividades, ainda se deixam contaminar por interesses corporativos. Não exercem função preventiva.

No dia 20 de agosto foi assassinado a tiros no Rio de Janeiro o cabo Eduardinho. A Divisão de Homicídios investiga três hipóteses de motivo para a execução: mulheres, milícia e jogo do bicho. O que chama a atenção, no entanto, é o fato de a vítima ter ostentado nas chamadas redes sociais uma vida de luxo absolutamente incompatível com o salário e imagens impróprias, como a da camisa da seleção brasileira de futebol com a inscrição "Amarildo", homenagem ao personagem que desapareceu em 2013 depois de ser preso pela PM na Rocinha, e o número "-1" (menos um). Eduardinho fazia parte de uma das Unidades de Polícia Pacificadora.

O número de mortos por policiais em serviço em São Paulo, nos primeiros seis meses do ano, aumentou 10% em relação ao mesmo período de 2014. No Rio, a tendência é também de crescimento: 347 mortes no semestre passado.

A cultura do confronto, entranhada nas corporações, acirra a letalidade policial e, indiretamente, estimula a formação de grupos de extermínio.

A entrevista para a BBC Brasil do deputado estadual Paulo Telhada, coronel reformado da PM e, registre-se, destacado parlamentar do partido político do governador de São Paulo (PSDB), é constrangedora: matar, "infelizmente", faz parte da ação policial. Será?

Por essas e por outras é que pesquisa do Datafolha em municípios com mais de 100 mil habitantes, publicada em julho, mostra que 62% dos entrevistados têm medo da PM. É o sentimento de jovens, pretos, pobres e nordestinos.

lfcarvalhofilho@uol.com.br


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