Folha de S. Paulo


Crianças, crueldade e Justiça

Bullying é o comportamento agressivo, intencional e repetido contra alguém por conta de alguma característica ou situação peculiar. É um desequilíbrio de poder que afeta sobretudo crianças e adolescentes em escolas e em outros ambientes de convivência, mas que também inferniza a vida de adultos.

Por alguma razão psicológica, pessoas sentem prazer em humilhar, provocar sofrimento. Reunidas, multiplicam agressões verbais ou físicas contra quem se destaca pela diferença: obesidade, altura, pele, nariz, timidez, roupa. Filiação, raça, falta de habilidade para o esporte, aplicação nos estudos ou dificuldade de aprendizado também dão origem a maus-tratos, isolamento e depressão.

A internet amplia seus efeitos.

Aprendemos a nos defender de ondas de perseguição, mas traumas emocionais mais ou menos graves podem surgir, o que justifica a preocupação de pais e educadores com essa crueldade latente e estranha.

Não por acaso, para troca de experiências e pela autoestima, o bullying fez parte da pauta do bem-humorado Encontro Nacional de Ruivos realizado no Rio de Janeiro em 2013. Ruivos, em um país moreno, apanham de coleguinhas valentões ou colecionam uma quantidade assombrosa de apelidos, alguns impublicáveis, pela cor do cabelo e pelas sardas.

Pesquisas do IBGE revelam que 20,8% de alunos do ensino fundamental no Brasil, a maioria na faixa etária entre 13 e 15 anos, já praticaram ou praticam bullying nas escolas, mas a maioria (51% dos entrevistados) não consegue nem explicar suas atitudes. Entre os motivos mais citados para as perseguições está a aparência do corpo e do rosto. Declaram-se vítimas frequentes de zombaria e esculachos capazes de aborrecer 5,4% dos entrevistados. Os esporadicamente atingidos são 25,4%.

A solução para a vulnerabilidade infantil é familiar e educacional, não legislativa, mas diversos Estados e municípios já editaram leis supostamente redentoras sobre o assunto. Em vez de políticas públicas concretas e preventivas, nós nos empenhamos em criar diplomas legais ineficazes.

No Congresso, diversos projetos são discutidos para a superação mágica e formal do problema. "Intimidação sistemática", "intimidação escolar", "intimidação vexatória", "perseguição obsessiva ou insidiosa" são algumas das designações encontradas em português para a palavra inglesa.

Há projetos que sugerem campanhas nacionais de combate, orientação e esclarecimento. Outros pretendem criminalizar a conduta, estabelecendo penas que chegam a cinco anos de prisão.

Imaginem promotores, delegados e juízes lidando com o problema do bullying a partir da dinâmica processual do desmantelamento do crime organizado, padrão Lava Jato, submetendo meninos e meninas a acareações ardilosas, delação premiada, infiltração de jovens tiras para identificar o comando dos ataques, internação compulsória, liberdade assistida, tornozeleira eletrônica, penas alternativas etc.

Em tempos de redução da maioridade penal, é importante ter em vista que a patologia do bullying escolar só é caso de polícia em situações absolutamente extremas. O envolvimento da máquina judicial, burocrática, insensível e sem preparo pedagógico, é o caminho mais improdutivo e temerário.

lfcarvalhofilho@uol.com.br


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