Folha de S. Paulo


Como perdi minha batalha de 25 anos contra o besteirol corporativo

Ted S. Warren/Associated Press
ORG XMIT: WATW101 Starbucks CEO Howard Schultz speaks at the company's annual shareholders meeting, Wednesday, March 20, 2013, in Seattle, Wash. (AP Photo/Ted S. Warren)
Howard Schultz, presidente da Starbucks

Por quase um quarto de século, escrevi colunas apelando aos profissionais do mundo dos negócios para que deixassem de dizer asneiras. E ao longo de todo esse tempo, eles nunca prestaram atenção.

O primeiro exemplo que encontrei data de 1994, quando escrevi um artigo zombando do jargão horrível usado pelas empresas, argumentando que a linguagem delas havia se tornado tão estúpida que o pêndulo logo se moveria na direção oposta e as pessoas voltariam a falar sobre negócios de maneira direta.

As palavras às quais eu objetei na coluna? "Global", "downsize", "marketplace" e, no pior dos exemplos, a impossibilidade matemática dos "110% de dedicação".

Que era inocente!

Saltando de volta a julho de 2017, um empreendedor escreveu, em um post recente no blog de sua empresa: "Estamos 1.000.000% concentrados em esforços positivos, de avanço, acionáveis, para ajudar a facilitar mudanças". Quando alguém me mandou esse lixo verbal uma semana atrás, li e dei de ombros.

Nas duas últimas décadas, duas coisas aconteceram. O besteirol corporativo se tornou 1.000.000% mais fedorenta, e deixei de prever que o mercado se corrigiria. Hoje, tenho 110% de certeza de que isso não acontecerá.

Não só a produção agregada de asneiras cresceu como os responsáveis individuais pelos piores delitos continuam a se superar, desconsiderando completamente meus esforços para tentar detê-los por meio da vergonha.

Howard Schultz é o campeão do besteirol empresarial. O presidente-executivo da Starbucks me forneceu material para mais colunas do que qualquer outro executivo, vivo ou morto. E ele persiste, e continua a se superar.

Alguns meses atrás, anunciou que as novas cafeterias Starbucks Roasteries estavam "entregando uma experiência de imersão, ultrapremium, 'coffee-forward'".

Em toda essa sentença "ultrapremium", só os artigos se salvam. Schultz misturou jargões novos e antigos, expressões da moda e expressões do dia a dia, e acrescentou uma cobertura especial que só ele seria capaz de produzir.

"Entregar" e "experiência" são péssimas, mas não são novidade. "Ultrapremium" é uma inflação vocabular desnecessária. "Imersão" está na moda, por menos recomendável que seja seu uso quando o escritor está falando de líquidos escaldantes. A inovação é o uso de "coffee-forward". O termo impressiona, mas o que quer dizer?

É bem possível que Schultz não leia o "Financial Times" e que as pessoas próximas a ele que o fazem tenham desistido de encaminhar os artigos em que zombo de sua maneira de falar. Mas mesmo que ele tivesse visto as colunas, duvido que isso fizesse qualquer diferença.

O mundo dos negócios se divide em dois tipos de pessoas. Há aquelas que usam besteirol constantemente (a maioria) e aquelas que não. A característica que define os mais dedicados adeptos do besteirol, como Schultz, é que eles simplesmente não veem problema nisso.

E por que deveriam? Enquanto eu passei décadas me irritando com simples palavras, ele vem mudando a maneira pela qual metade do mundo vive e consome bebidas. É em larga medida graças a ele que todos perambulamos pelas ruas carregando baldes de cartolina contendo um líquido marrom pálido que sorvemos usando canudinhos.

Schultz não só fez diferença quanto a isso como ganhou algum dinheiro no processo. Cerca de US$ 3,1 bilhões, na verdade.

As bobagens que diz não só não o prejudicaram como, temo, podem tê-lo ajudado. As novas "roasteries" [tostadoras] têm um estilo de decoração excepcionalmente vulgar, meio Willy Wonka, com grãos de café percorrendo o ambiente em tubos de plástico transparentes. Quando o estilo é puro exagero, a linguagem precisa acompanhá-lo.

Ao longo dos anos, Schultz provou até que ponto a linguagem horrenda serve bem aos homens de negócios. Por exemplo, caso um analista pergunte a alguém se a pessoa pretende adquirir alguma coisa, ela pode ou dizer não, o que é claro e direto demais, ou usar 33 palavras, como Schultz fez alguns anos atrás: "Eu diria que temos o bastante para digerir em curto prazo, e não existe francamente nada em nossa linha de visão que sugira que nos envolvamos em engajar alguma coisa que vamos adquirir".

Pronto. A audiência se entediará a tal ponto que ninguém jamais cobrará o autor pela declaração.

Ainda mais impressionante, Schultz abriu caminho para o uso de linguagem cada vez mais emotiva nos negócios. Dinheiro talvez não compre amor, mas amor pode compensar pela falta de dinheiro. Assim, ele enviou um e-mail recentemente aos cerca de 100 mil funcionários de sua empresa nos Estados Unidos, a maioria dos quais ele não conhece pessoalmente e muitos dos quais ganham cerca de US$ 10 por hora, e fechou o texto com "saibam que lhes envio meu amor e respeito".

Os adeptos do besteirol jamais mudarão. Ou melhor, em minha linha de visão não há francamente coisa alguma que sugira que o bom senso vá ressurgir, daqui para o futuro.

Mas isso não faz da campanha que conduzi nas últimas décadas um completo fracasso. As poucas pessoas que optaram por não usar o besteirol extraem imenso prazer de zombar de quem o faz.

Esses companheiros corajosos e singelos são poucos em número, mas me enviaram ótimas amostras ao longo dos anos, algumas das quais reproduzo abaixo. Não amo os leitores do "Financial Times", mas respeito e agradeço aqueles que me forneceram boa parte dessas preciosidades.

BESTEIROL FLUENTE: UM GUIA PARA DOMINAR O MÉTODO

No último mês, vasculhei a coleção de linguagem empresarial vazia que acumulei nas duas últimas décadas para publicar alguns dos mais finos exemplos. Mas ao estudar o arquivo, me ocorreu que todos os idiomas têm suas regras –e o besteirol das grandes empresas não é exceção. Abaixo, revelo as oito principais regras dessa linguagem, acompanhadas por excelentes exemplos de como segui-las.

1. Não use uma palavra curta se puder substitui-la por uma longa

Se o primeiro princípio do jornalismo é simplificar e em seguida exagerar, a primeira regra do besteirol empresarial é complicar e obscurecer.

Um executivo de recursos humanos que estava conduzindo uma reunião fora de seu escritório mostrou como fazê-lo no ano passado ao alertar os participantes de que eles deveriam "obter cognição sobre a óptica de sua marca pessoal". Em outras palavras, manter as camisas dentro das calças.

Uma década atrás, a Accenture demonstrou como transformar a banalidade em algo portentoso: "Com a ascensão do mundo multipolar, a tarefa de localizar e administrar talento se tornou mais complexa, turbulenta e contraditória". Não importa que o mundo tenha apenas dois polos, e que encontrar bons profissionais não seja mais difícil hoje do que foi no passado. A Accenture adicionou valor ao subtrair sentido.

O mais interessante sobre o binômio simplificar/complicar é que ele pode ser exemplificado por apenas duas palavras.

O melhor título de um estudo acadêmico é "Robustizando a Aprendibilidade", uma pesquisa publicada pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, em 2005.

2. Eufemismos cotidianos são o caminho do futuro

No besteirol empresarial, todas as negativas são invertidas, e com isso ninguém precisa assumir a culpa por coisa alguma. A Uber realizou trabalho pioneiro nos últimos meses, ao produzir linguagem tão feia e tediosa que a única resposta possível da audiência é parar de prestar atenção.

A empresa, entre outras coisas, admitiu ter "subinvestido na experiência para os motoristas", e sofrer de um "deficit reputacional", na esperança de que isso levasse as pessoas a não perceberem que sacaneou seus motoristas e seu nome está na lama.

A regra número dois vem a calhar quando empresas demitem pessoal. O mais recente eufemismo vem de uma empresa de administração de investimento que descreveu demissões recentes como "ir à academia... induzindo a restauração de células e assim recuperando a forma da empresa para crescimento lucrativo".

Ainda que horrível, isso nem se compara à maneira pela qual a EY se livrou de diversos de seus sócios, enviando uma mensagem que dizia "aguardamos ansiosamente a oportunidade de reforçar nossa rede de ex-funcionários".

Nem todas as empresas acertam. Em 2013, o HSBC anunciou que "faleceria" as funções de 942 de seus gerentes de relacionamento com clientes, esquecendo que o propósito geral de um eufemismo é fazer com que as coisas horríveis que você está colocando em prática pareçam menos ruins.

O HSBC tomou algo ruim (demitir pessoas) e fez com que o processo soasse consideravelmente pior, como se estivesse não só privando os funcionários de seu ganha-pão mas também literalmente os matando.

3. Esqueça a gramática que você aprendeu na escola

Um dos charmes do besteirol é sua flexibilidade sintática –todos os substantivos podem se tornar verbos, e vice-versa. Oscar Munoz fez uso excelente dessa norma ao falar sobre "desavionar" um passageiro que foi arrastado violentamente para fora de um avião da United em abril.

Há outros grandes exemplos dessa prática no arquivo: o uso de "toalha fria" como verbo; o uso de "manter contato" como substantivo; "front-burnerize", para dizer que algo receberá prioridade; "to town hall", para descrever uma reunião com um grande grupo de pessoas; potenciar; futurizar; valor-adicionar; bem-bonificar.

Mas meu exemplo favorito vem de um executivo que, ao tentar rascunhar um texto, disse: "Deve existir uma maneira melhor de linguajar essa mensagem". Ele tem razão. Deve mesmo.

4. Emoção nunca é demais

Tudo começou em 2003, quando Jimmy Lee enviou um e-mail a todo o pessoal de seu departamento de finanças corporativas no JPMorgan com instruções aos funcionários: "Ligue para um cliente e diga que o ama. Eles não esquecerão desse telefonema".

Nos anos que se seguiram, Irene Rosenfeld, da Kraft, se descreveu como "a CEO da alegria", e John Cahill, presidente-executivo mundial da McCann Health, disse que "multiplicar nossa humanidade será a mágica que produzirá melhores resultados".

Quando o assunto é exagerar emoções, a geração Y é especialmente talentosa. Um funcionário da Estée Lauder, na casa dos 20 anos, foi recentemente citado no "Financial Times" como tendo declarado que "a liderança sênior ficou em êxtase com o nível de ideação que essa reunião produziu". E temo que isso seja um mau presságio para todos nós. Ao que parece, paixão já não basta. A próxima fronteira é o êxtase.

5. Se você produz algo simples, mude o nome para que ninguém saiba o que é

Ao longo dos anos, a Toyota mudou o nome do carro para "solução de mobilidade sustentável"; a Amazon definiu o livro como "embalagem de leitura"; a Speedo mudou o nome da touca de natação para "sistema de administração de cabelo", e uma garrafa de água da Nestlé foi descrita como "bebida portátil e acessível de estilo de vida". Essa é a regra mais incompreensível de todas, porque não há motivo para ela.

6. Não se limite às palavras que o dicionário oferece

Crie um vocabulário próprio recortando e colando duas ou mais palavras existentes.

O melhor exemplo disso vem do Eversheds, um escritório de advocacia conservador que, em 2007, tentou atrair jovens recrutas procurando por "inovagenheiros, vidassabentes, contribulíderes, desenvolproativos, priogociadores e vencematas" –este último termo sendo uma combinação particularmente horrenda entre vencedores e diplomatas.

7. Nenhuma metáfora ou clichê é demais em uma sentença

Rick Hamada, presidente-executivo da Avnet, é mestre dessa técnica. "Buscando um clique a mais nos serviços, pensamos de fato em múltiplas raias de natação de oportunidades em torno dos negócios".

Mas ele não é tão bom quando o consultor de negócios a seguir: "É preciso apreciar que os marcos geográficos que estabelecemos nessas raias de natação oferecem o mapa de rota desse fluxograma. Quando chegarmos ao pedágio, avaliaremos onde você está sob a cachoeira".

8. Ignore a regra 1

A mais letal das novas linguagens não envolve robustizar a aprendibilidade. Ela é mais simples mas não menos confusa.

Você deve usar palavras simples e conhecidas, mas o truque é usá-las para dizer algo de diferente. O termo do momento é "play" [jogar, tocar ou brincar].

Os consultores de estratégia propõem aos seus clientes questões como "onde jogar? Como vencer?" E o pessoal de negócios que segue a moda se refere a atividades de trabalho usando termos como playbook e playlist. Nos lábios dos especialistas em besteirol, "play" quer dizer trabalhar.

Os mais talentosos gigantes do besteirol não usam todas essas regras, mas selecionam aquelas que mais lhes convêm. Os três exemplos abaixo estão entre meus favoritos eternos, e todos merecem prêmios. Medalharei (substantivo como verbo!) cada um deles.

A medalha de bronze vai para Rob Stone, copresidente-executivo da agência de publicidade Cornerstone, por sua mistura heroica de clichê, metáfora e papo furado para dizer coisa nenhuma: "À medida que as marcas constroem suas pegadas mundiais, procuram por um ponto de vista global audacioso, que sempre esteve em nossa ponte de comando".

A prata vai para Angela Ahrendts, que em um balanço anual da Burberry escreveu a mais misteriosa sentença já redigida no idioma inglês: "No canal de atacado, a Burberry saiu de portas não alinhadas com o status da marca e investiu em apresentação por meio de sortimentos melhorados e de imóveis personalizados e específicos em portas chave".

Eu já mostrei a sentença a muitos especialistas em negócios, ao longo dos anos, mas ninguém conseguiu me explicar por que um fabricante de capas de chuva falaria tanto sobre portas.

O vencedor, por larga margem, e grande merecedor da medalha de ouro, é John Chambers, que, quando era presidente-executivo da Cisco, disparou um e-mail para o pessoal da empresa que começava pela palavra "equipe" e terminava por "nós acordaremos o mundo e aproximaremos o planeta do futuro um pouco mais".

Ele usou palavras e sintaxe simples para produzir o mais aterrorizante trecho de besteirol de todos os tempos.

Nos quatro anos que transcorreram desde que ele pronunciou a sentença acima, o planeta parece estar se movendo para o futuro satisfatoriamente, sem ajuda de Chambers ou de qualquer outra pessoa na Cisco.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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