Folha de S. Paulo


Todos devemos aprender com os homens que interrompem

Kevork Djansezian/Reuters
FILE PHOTO - David Bonderman, Founding Partner, TPG, takes part in Private Equity: Rebalancing Risk session during the 2014 Milken Institute Global Conference in Beverly Hills, California April 29, 2014. REUTERS/Kevork Djansezian/File Photo TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: BEV021
Bilionário David Bonderman, membro do conselho da Uber

Na semana passada, o bilionário David Bonderman, membro do conselho da Uber, deu a maior das mancadas. No meio de uma discussão sobre a cultura sexista da empresa, ele soltou uma piada tosca sobre mulheres que falam demais. Para fazê-lo, interrompeu Arianna Huffington, sua colega no conselho da empresa. E ele não tem razão no que disse. As mulheres não falam mais que os homens.

Escolher aquele momento para a piada mostrou falta de bom senso, de autocontrole e de compreensão sobre a encrenca em que a Uber está. E, por isso, não restava outra solução: o bilionário de 74 anos de idade teve de renunciar ao seu posto no conselho.

No entanto, com relação a uma das coisas pelas quais ele vem sendo criticado —interromper Huffington—, estou com Bonderman. Já que eu mesma passei a vida interrompendo os outros, me sinto na obrigação de defendê-lo.

Interromper os outros pode cair mal. É visto como falta de educação. Contraria a ideia besta de que todo mundo no trabalho merece respeito quando está falando. Se um homem interrompe uma mulher, isso é visto como especialmente ruim. Estudos demonstram que é algo que acontece o tempo todo. É mais comum que homens interrompam mulheres do que o oposto; na verdade, as mulheres raramente interrompem os homens.

Isso se tornou um problema tão incômodo que sempre que um homem conhecido é visto passando à frente de uma mulher, na hora de falar em público, a probabilidade é de que ele seja desancado publicamente. Eric Schmidt, da Alphabet, foi criticado seriamente por interromper a fala da única mulher que fazia parte de uma mesa redonda da qual ele participou em 2015. E quando a senadora democrata Kamala Harris foi interrompida por colegas republicanos enquanto ela questionava o secretário da Justiça norte-americano Jeff Sessions, na semana passada, em uma sessão de Comitê de Inteligência do Senado, o "New York Times" publicou um artigo deplorando a prática.

O remédio, a maioria das pessoas parece concordar, é forçar os homens a parar de interromper. Dois meses atrás, na celebração do Dia Internacional da Mulher, foi lançado um app chamado Mulher Interrompida. Qualquer homem que o baixe tem de repetir três vezes que "não vou mais interromper as mulheres", e depois disso recebe uma nota negativa a cada vez que contrariar a regra. Mas essa não é a resposta. Se todos os homens foram proibidos de interromper as colegas mulheres, o resultado não será que eles comecem a ouvi-las com mais atenção. Pelo contrário: eles as ignorarão completamente.

Uma mulher —ou homem— deve ser interrompida(o) se estiver entediando os ouvintes ou se a pessoa que faz a interrupção tiver algo de mais urgente a dizer. É concebível que Huffington estivesse se repetindo cansativamente quando Bonderman a cortou, e nesse caso uma troca de voz seria bem vinda. A maior parte das conversações de negócios e debates em mesas redondas é tediosa por boa parte do tempo. Quando alguém começa a falar, a parte importante do que tem a dizer muitas vezes é percebida logo nas primeiras duas sentenças, e depois disso não faz muito mal que alguém interfira para dizer algo de novo.

Interromper não só acelera as coisas como mantém todo mundo atento: o medo de perder o direito de falar força a pessoa a dizer o que precisa ser dito de forma mais breve.

Na semana passada, participei de uma reunião de duas horas de duração na qual quatro mulheres e oito homens não interromperam uns aos outros. O resultado da conversa não foi melhor por isso. A atenção aparentemente respeitosa só serve como prova de que ninguém ligava muito para o que foi dito.

Os homens não deveriam ser forçados a interromper menos; as mulheres deveriam ser forçadas a interromper mais. Muita gente considera que é difícil agir assim, mas eu aprendi como fazê-lo e garanto que não é. Quando quem estiver falando fizer a menor pausa, para tomar fôlego que seja, você dispara a falar.

Há clara necessidade de um app chamado não Mulher Interrompida, mas Mulher Interrompe. Em lugar de o app exibir uma grande cruz preta sempre que a mulher é interrompida por um homem, ele recompensaria com um traço verde toda mulher que interrompa um homem em sua fala.

Quanto ao que Bonderman disse —que as mulheres falam mais— as indicações são conflitantes, e a resposta parece ser que tudo depende do contexto.

Quem quer que tenha participado de uma reunião de conselho ou observado o comportamento dos integrantes de um painel de especialistas dirá que existe conexão direta entre o quanto uma pessoa se acha importante e o quanto ela estende sua fala. Graças às disparidades existentes no mundo dos negócios, as pessoas que mais se acham importantes ainda tendem a ser homens.

A solução para isso é óbvia. Quando essas pessoas começam a falar, os outros deveriam fazer questão de interromper. E aqueles que interrompem jamais deveriam ser punidos por rudeza, porque estão prestando um serviço público.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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