Folha de S. Paulo


Mondelez, dona da Lacta, serve 10 clichês em uma só sentença

Stefan Wermuth/REUTERS
Mondelez, dona da Lacta e da marca Cadbury, distribui clichês
Mondelez, dona da Lacta e da marca Cadbury, distribui clichês

Na semana passada, a vice-presidente de marketing da Mondelez, a companhia de nome impronunciável que fabrica confeitos como os biscoitos Oreos e os ovinhos de chocolate Creme Eggs, deixou o cargo.

Eis o que a empresa afirmou sobre o acontecimento: "Nossa busca por um sucessor terá por foco um líder com prioridade digital, desordenador e inovador, capaz de levar adiante o legado de Dana e mobilizar um marketing impactante em uma paisagem mundial de consumo que passa por rápidas mudanças".

Em uma única sentença, e nem tão longa, a Mondelez realizou algo de especial: evocou não apenas um mas 10 dos maiores clichês dos negócios, todos os quais, aliás, já deveriam ter sido proibidos.

Começando do alto, "prioridade digital". Na melhor das hipóteses, o termo é confuso, e na pior é uma péssima ideia. Ninguém mais parece ter certeza sobre o que significa digital. Estamos falando de tecnologia? Estamos falando de estar na moda? Mesmo a consultoria McKinsey parece confusa, e publicou um longo e emaranhado artigo sobre o termo.

Qualquer que seja o significa, prioridade digital completa é certamente um erro. Se você trabalha com marketing na Mondelez, pode divulgar os biscoitos Ritz ou no Facebook ou na TV; a melhor opção dependerá das circunstâncias. O ponto de ter um vice-presidente de marketing é que ele faça essas escolhas.

A palavra "desordenador" é ainda mais perigosa. Desordenar é aceitável se você é a Uber (ainda que mesmo assim as coisas não sejam tão simples), mas não se você é uma multinacional tradicional que cresceu ao fazer as coisas com paciência e determinação, ao longo de muito tempo. Na minha experiência, pessoas realmente desordenadoras não querem saber de grandes empresas, e as grandes empresas não querem saber delas.

A palavra "inovador" é simplesmente uma versão diluída de "desordenador", que agora parece funcionar de modo semelhante à palavra "ético". As empresas que mais insistem quanto a qualquer das duas coisas são invariavelmente aquelas que parecem menos dispostas a agir de acordo com elas.

"Líder" é uma palavra ainda mais vazia do que "inovador". Consegue ser a um só tempo grandiosa e mundana. Hoje em dia, todo mundo é definido como líder. O uso do termo eclipsou o de uma palavra muito mais útil: administrador. Todos sabemos o que um administrador faz - ele administra o trabalho alheio -, o que presumo seja o que o vice-presidente de marketing da Mondelez deva fazer na prática.

"Legado" deveria ter seu uso proibido por outro motivo: é uma palavra enganosa. Falar em legado parece elogioso, mas em geral quer dizer o contrario. Sistemas de tecnologia de informação "legados" são o pior pesadelo de uma empresa, enquanto negócios definidos como "legados" são aqueles que você deveria fechar ou vender o mais rápido possível.

É evidente que a Mondelez não deseja que o novo executivo tome por base o legado do anterior, ou não teria mencionado desordenamento. Você pode ou progredir gradualmente ou desordenar. As duas coisas não funcionam juntas.

Até agora, a primeira metade da sentença se provou confusa, repetitiva, estruturalmente descompassada e profundamente tediosa, mas ainda assim é seu melhor pedaço.

A segunda metade degenera em flatulência pura e simples. "Mobilizar um marketing impactante em uma paisagem mundial de consumo que passa por rápidas mudanças" serve involuntariamente ao propósito de informar aos candidatos que, se eles não gostam de platitudes idiotas, é melhor que procurem emprego em outro lugar.

"Mobilizar" quer dizer preparar soldados para serviço ativo. Não é possível mobilizar marketing. "Impactante" é um clichê tão mofado que quase desperta piedade quanto ao autor da sentença, e, falando em "rápidas mudanças", as empresas vêm repetindo que os tempos estão mudando rapidamente praticamente desde que me lembro. Um pronunciamento como esse deveria inspirar e empolgar, mas a única sensação que causa é a de tédio.

"Mundial" é sempre ou supérfluo ou impreciso - no caso em questão, o segundo. A paixão dos consumidores por seus doces e salgados tende a funcionar em linhas nacionais. Basta lembrar da indignação que tomou os britânicos quando a Mondelez arredondou os cantos do Cadbury Dairy Milk, em 2013, para melhorar a "sensação bucal".

Por fim, "paisagem". Vou propor uma regra simples: quem faz paisagens, envolvendo nenúfares, pontes e papoulas, é Monet. O trabalho da Mondelez é outro.

Em lugar de colocar esses 10 clichês em circulação, a empresa deveria ter informado que estava procurando alguém para o posto, e que o nome ainda não havia sido decidido. Seria mais que bastante.

Esqueça os legados inovadores e desordenadores. O cargo da Mondelez só funcionará para profissionais de pele espessa. Açúcar é o novo tabaco, e o mais provável é que o ocupante do posto termine odiado por todo mundo. Se as pessoas não o odiarem por engordá-las, o odiarão por continuar cobrando o mesmo preço e reduzir cada vez mais as embalagens de seus produtos favoritos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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