Folha de S. Paulo


Sexy e super-sem-graça: a ascensão do novo uniforme de trabalho

As coisas que as pessoas vestem no trabalho, em bancos de investimento, consultorias de gestão e grandes escritórios de advocacia, são ridículas. E seu jeito de falar também.

Percebi isso no final de semana passado assistindo a "Toni Erdmann", uma comédia alemã na qual uma jovem consultora de gestão recebe no escritório a visita de seu pai, que aparece sem ser convidado, usando uma peruca castanha de cabelos revoltos, um terno reluzente e uma dentadura comprada em loja de adereços para humor.

Enquanto a vasta e amarfanhada figura paterna caminhava pelo escritório reluzente, o que me ocorreu foi que, apesar de mal conseguir falar por conta da dentadura dentuça, ele não era a figura mais absurda da cena. O mais absurdo eram os consultores, bonitos, reluzentes e aparentemente fabricados em linha de montagem.

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Sandra Hüller, Ingrid Bisu e Miriam Rizea em Toni Erdmann (2016)
Sandra Hüller, Ingrid Bisu e Miriam Rizea em Toni Erdmann (2016)

Nos últimos 10 anos, a aparência das pessoas que ocupam os empregos mais bem pagos se tornou ao mesmo tempo mais uniforme e mais extrema. Existe um código extraoficial de vestimenta que todo mundo precisa seguir, e suas regras são as seguintes: 1. Não existe um preço alto demais. 2. Não existe musculatura malhada demais. 3. Não existe um look que mereça ser chamado de sem-graça demais.

Ninguém ousa ser um indivíduo. A única maneira de se destacar é parecer ainda mais esbelto e rico que os colegas. Essas regras se aplicam igualmente a homens e mulheres, mas essas últimas têm um obstáculo adicional a transpor. As mulheres precisam ser sexy, o máximo que puderem, mas sem que pareçam vulgares. Sheryl Sandberg entendeu o sistema. Kim Kardashian, não.

A jovem consultora de gestão em "Toni Erdmann" usava bem seu uniforme. Seus saltos eram altos e o tecido de seus tailleurs escuros revelava o contorno agradável de seu traseiro, enquanto seus vestidos sem mangas revelavam a musculatura de seus braços.

Na vida real, as coisas são exatamente iguais. Não muito tempo atrás, fiz uma palestra às 11h em um grande escritório de advocacia norte-americano. Havia oito advogadas na sala, cinco das quais imitavam Sandberg impiedosamente, com vestidos apertados e inflexíveis, em blocos de cores bem coordenadas, e saltos imensos, paralisantes. Não sei bem quando essa se tornou a regra no trabalho —como que um coquetel muito rigoroso, mas sem as bebidas—, e no entanto a coisa me parece perturbadora.

Reclamamos muito, e com razão, quando recepcionistas precisam usar saltos altos porque seus empregadores exigem, mas não sobre as mulheres que se vestem dessa maneira porque suas colegas o fazem.

Toni

Esses segmentos empregam pessoas ambiciosas e competitivas —e não surpreende que a vestimenta se torne uma área de competição tão intensa quanto todas as demais. Os edifícios em que as pessoas trabalham pioram a situação. Bancos e consultorias concorrem uns com os outros para ostentar os mais reluzentes e elegantes escritórios, combinando ostentação e falta de personalidade —e encorajam as pessoas que os ocupam a fazer o mesmo. À medida que os arranjos de flores, os revestimentos em pedra e as peças de arte moderna desses escritórios se tornam mais e mais excessivos, os sapatos, bolsas e roupas das pessoas que os ocupam acompanham a tendência.

A maneira pela qual as pessoas se veste expõem duas das grandes mentiras da vida empresarial: diversidade e autenticidade. Não muito tempo atrás, participei de uma conferência de mulheres na Ásia, patrocinada por um banco internacional. Na tela, as palavras "o poder da autenticidade" apareciam em letras enormes, e diante delas 700 mulheres vestidas de maneira imaculada, todas usando saltos altos, digeriam sem questionar uma série de platitudes sobre a importância de serem elas mesmas. A única diversidade visível era que algumas delas usavam Miu Miu, outras Diane Von Furstenberg, e outras Burberry.

Na semana passada, fui a uma reunião em um banco de investimento usando botas sem salto e um vestido de veludo azul marinho que comprei por 29,99 libras na Uniqlo. O vestido expunha só meu rosto, pescoço e mãos. Era prático, recatado e confortável.

Olhando em volta, vi homens em ternos de corte impecável e mulheres em blazers justos e usando discretos brincos de ouro. Senti-me tão alienígena quanto Toni Erdmann. Eu estava em desvantagem: era esquisitona, pobre, distintamente inferior.

Não estou segura sobre quem se beneficia desse código de vestimenta extravagante, superesbelto e ao mesmo tempo chocho. É possível que clientes confiem mais em assessores que se vistam de modo profissional, mas apenas até certo ponto. Não é possível que os clientes apreciem o fato de que seus prestadores de serviço estão sempre mais bem vestidos do que eles.

A não ser que, para os financistas, advogados e consultores, o ponto seja que humilhar sutilmente os clientes facilita ganhar ascendência sobre eles, o que torna menos provável que protestem contra a cobrança dos honorários que tornam possível esse guarda-roupa extravagante.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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