Folha de S. Paulo


Saber o que as pessoas pensam sobre sua conversa faz bem

Andreea Alexandru/AP Photo
Conversar com a pessoa que está a seu lado em um jantar formal pode fazer bem
Conversar com a pessoa que está a seu lado em um jantar formal pode fazer bem

Você foi convidado a um jantar formal. Conversa com a pessoa que está de um lado durante a entrada; com a pessoa do outro lado durante o prato principal. Às vezes a conversa flui; na maioria dos casos, ela se arrasta, e acaba parando. Você curte a noitada, ou a suporta, e em seguida vai para casa.

A não ser que você seja Robert Hiscox. O fundador da seguradora que leva seu nome me contou alguns anos atrás que no final de um jantar ele oferecia às pessoas sentadas ao seu lado sua opinião sobre a qualidade da conversa. Ele dizia coisas como "gostei de ouvir suas opiniões sobre a União Europeia, mas você poderia ter perguntado as minhas". Ou: "Foi interessante descobrir o quanto seu filho foi bem nos exames escolares, mas você parecia relutante em discutir outros assuntos".

Na época, fiquei chocada. Como ele podia ser tão grosso? Hiscox me garantiu que conversar em jantares formais é uma técnica; é difícil melhorar em qualquer coisa se as pessoas não lhe dizem o que você está fazendo de errado. Protestei que o mundo já sofria de excesso de comentários. Às vezes é melhor seguir adiante sem saber.

Duas coisas me fizeram mudar de opinião. A primeira é que nos anos transcorridos desde então, participei de jantares demais, e me sentei ao lado de pessoas demais que não se esforçavam o bastante.

A segunda é a percepção de que embora existam comentários demais sobre assuntos irrelevantes (não, não quero comentar minha experiência ao passar pela segurança no terminal cinco do aeroporto de Heathrow), raramente ouvimos comentários específicos que nos ajudem a melhorar.

Não muito tempo atrás, recebi um e-mail de um sujeito que havia assistido a uma palestra que eu fiz.

"Você realmente precisa começar a resolver o problema do cabelo/óculos", ele escreveu. "A cada vez que você coloca os óculos para ler, seu cabelo cai sobre seu olho esquerdo e você fica tendo de tirá-lo da frente da lente —parece engraçado, mas deve ser desconfortável!!!! Também faço palestras regularmente, e gosto de saber a opinião dos espectadores. Espero que meu comentário não a chateie".

O comentário me chateou. Ao contrário dele, não gosto de ouvir comentários, a menos que sejam inteiramente positivos. E, no meu caso, que ousadia da parte do espectador! Não pedi sua opinião. E se ele acha que alguns pontos de exclamação são capazes de tornar uma mensagem como que escreveu mais agradável, está cometendo um erro grave.

Mas as palavras dele realmente calaram fundo. Não foi agradável pensar que a reação alegre da plateia talvez se devesse principalmente ao meu cabelo. Por isso, para as minhas palestras seguintes, imprimi minhas anotações em corpo 24 para que pudesse lê-las sem óculos, e agora cortei meu cabelo tão curto que o risco de ter de afastá-lo dos olhos o tempo todo desapareceu.

Ao pensar no assunto, o comentário do espectador chegou bem perto de ser perfeito. Foi direto mas não grosseiro. Apontava claramente o que havia de errado —e esse erro era corrigível. A origem era neutra, e o comentário chegou a mim via e-mail —o que pelo menos não fez com que eu enrubescesse diante de pessoa alguma.

Na semana passada, recebi ainda outro comentário não solicitado via e-mail. Desta vez, veio de alguém que estava me agradecendo pela palestra que fiz em uma conferência organizada por ele. Depois de um início gracioso, a mensagem terminava assim: "Sempre tento encerrar com uma dica para possível melhora. Foi meio complicado entrar em contato, confirmar seus planos de viagem e organizar a ocasião. Posso sugerir que você contrate um assistente?"

O comentário também caiu bem, porque foi claro —mas fazer alguma coisa a respeito é bem mais difícil, porque assistentes custam caro. Ainda assim, serviu para me revelar que meu hábito de ignorar e-mails administrativos pode ser incômodo. Acatei o ponto, e vou tentar me organizar melhor.

O teste do comentário não solicitado não está em determinar se ele foi grosseiro ou desagradou a pessoa a quem é dirigido, mas se ele pode servir ao bem comum. Não tiro mais o cabelo da frente dos óculos, e assumi o compromisso de responder com mais rapidez a mensagens de rotina: o mundo se tornou um lugar mais feliz.

Não muito tempo depois do meu almoço com Hiscox, fui a um jantar no qual me sentei ao lado de um apresentador de TV conhecido por ser mal humorado. Passei a refeição toda tentando ser agradável; mas ele foi taciturno, e parecia catatônico enquanto eu o enchia de perguntas e histórias engraçadas.

No final da noite, tive vontade de lhe apresentar o boletim sobre seu desempenho, mas não tive coragem. É algo que lamento desde então. Aposto que, se tivesse explicado o quanto seu desempenho foi ruim, ele teria ficado chocado, e chateado. Ouso dizer que ele teria gostado (ainda) menos de mim, mas talvez isso o levasse a se esforçar mais no futuro. Da próxima vez, não hesitarei.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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