Folha de S. Paulo


Banco Wells Fargo pede desculpas insinceras aos clientes

Joe Raedle/AFP
Logo do Wells Fargo em prédio do banco em Miami, Flórida
Logo do Wells Fargo em prédio do banco em Miami, Flórida

Só neste mês o banco Wells Fargo já pediu desculpas duas vezes. Um dos pedidos de desculpas foi por algo muito grave. Há anos, seus funcionários vinham silenciosamente estabelecendo até 2 milhões de contas correntes e de cartão de crédito falsas. Agora a tramoia foi descoberta; o banco foi multado em US$ 185 milhões, e 5.300 funcionários foram demitidos.

O outro pedido de desculpas foi por algo minúsculo. O Wells Fargo decretou que o sábado passado seria o Dia da Educação Financeira do Adolescente, e para celebrar a data publicou anúncios com os dizeres "bailarina ontem, engenheira hoje" e "ator ontem, botânico hoje".

Os slogans eram idiotas, mas dava para perceber o que o banco estava tentando dizer —que a economia dos Estados Unidos precisa mais de engenheiros que de bailarinas. É claro que dançarinos e atores fizeram estardalhaço por isso no Twitter.

Em resposta, o Wells Fargo inverteu completamente a sua posição: "Oferecemos nossas mais sinceras desculpas pelos anúncios iniciais... sua intenção era celebrar todas as aspirações dos jovens, e eles ficaram aquém do desejado. Vamos fazer mudanças na criação da campanha para melhor refletir... nosso apoio às artes".

Em outras palavras, rendição completa.

A resposta do Wells Fargo ao outro caso foi bastante diferente. O banco publicou anúncios de página inteira em jornais dos Estados Unidos, e isso deveria ter oferecido espaço suficiente para muita contrição. Em lugar disso, o banco decidiu usar o espaço para informar aos clientes trapaceados que era uma empresa maravilhosa.

Os anúncios começavam por uma repetição da missão do Wells Fargo: "Queremos satisfazer as necessidades financeiras de nossos clientes e ajudá-los a encontrar o sucesso financeiro".

É uma missão perfeitamente aceitável —desde que você opte por ignorar o quanto a mensagem soa oca tendo em vista o acontecido. Mas em lugar de explicar por que as coisas saíram errado a esse ponto, o banco se limita a afirmar amenamente que "nossa missão é tão importante para nós hoje quanto sempre foi".

Em seguida, o Wells Fargo faz uma referência vaga a "alegações de que alguns de nossos clientes de varejo receberam produtos e serviços que não desejavam". Isso seria bacana se estivéssemos falando de um supermercado que por engano tivesse entregado algumas caixas adicionais de sucrilhos a algumas dezenas de consumidores, mas nem chega perto de começar a cobrir a gravidade do que aconteceu no banco.

O anúncio prossegue afirmando que o banco "lastima" o que aconteceu, assume "plena responsabilidade" e realizou "muitas melhoras" como resultado do ocorrido. Estas incluem "redobrar a comunicação com e o treinamento dos Membros de Nossa Equipe a fim de reforçar o compromisso de fazer a coisa certa por vocês, nossos clientes" —o que não oferece grande motivo de esperança de que as coisas melhorem. Se o treinamento existente fracassou de maneira tão visível, por que fazer mais do mesmo ajudaria a tornar as coisas melhores?

A próxima "melhora" consiste de "ações apropriadas, entre as quais medidas disciplinares, para lidar com aqueles que serviram os nossos clientes de maneira contrária à nossa 'Visão e Valores'". Em outras palavras, muita gente perdeu o emprego. Mas isso tampouco parece certo.

Se um funcionário ofende a visão e os valores do banco, é culpa dele. Se 5.300 o fazem, é culpa do banco. O Wells Fargo provou que sua cultura é absolutamente inútil como salvaguarda contra qualquer coisa. As pessoas que realmente cometeram transgressões não são funcionários comuns, mas os executivos que estabeleceram os incentivos errados e optaram por fingir que não viam enquanto os clientes eram trapaceados.

Ainda outra "melhora" é a mais débil de todas: os clientes que abrirem contas no banco ou solicitarem cartões de crédito no futuro receberão e-mails automatizados.

E caso alguém não se sinta reconfortado pela perspectiva de ainda mais e-mails indesejados lotando sua caixa de entrada, o anúncio conclui afirmando que "a jornada do Wells Fargo começou em 1852, e agora inclui mais de 250 mil membros de uma equipe unida a serviço do cliente, dedicada ao seu sucesso e trabalhando apaixonadamente para conquistar sua confiança e lealdade a cada dia".

Se eu fosse um dos clientes prejudicados, não estaria interessada em saber qual é a duração da "jornada". Iria querer que ela parasse, e já. Também apontaria que um quarto de milhão de pessoas é gente demais para uma equipe. O número ideal é seis.

Mas o mais importante é que eu estaria furiosa com o desplante do Wells Fargo em me dizer que sempre "trabalharam apaixonadamente" para conquistar minha confiança, logo depois de terem me fraudado.

E acima de tudo eu ficaria atenta a essa nova maneira de evitar a culpa. Demita os soldados rasos, insista em que o banco (ou seja, seus dirigentes mais altos) continua tão fantástico como sempre e despeje ainda mais retórica sobre os clientes - bem como ainda mais junk mail.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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