Folha de S. Paulo


Por que não faz diferença que você ignore quanto sua empresa fatura

Um conhecido que trabalha em uma empresa bem conhecida me escreveu para contar que, em um momento de ócio, ele estava lendo o conteúdo da intranet da empresa quando percebeu algo de estranho. Um post do presidente-executivo da companhia sobre seus resultados mais recentes havia recebido oito likes, enquanto um post informando que uma máquina de venda automática de chocolate havia sido instalada no saguão do sexto andar recebeu 197.

Achei que a informação a interessaria, escreveu o amigo.

Realmente me interessou, mas não vi nada de estranho nela. Sei há muito tempo que os empregados de grandes empresas se interessam primordialmente por trivialidades. Uma colega que foi por anos editora executiva do "Financial Times" me disse certa vez que a coisa mais impopular que ela fez no posto - mais impopular do que as demissões que teve de realizar - foi cancelar o café grátis e os biscoitos finos que eram servidos a todas as equipes na manhã de quinta-feira.

Não é só no lugar de trabalho do homem que me escreveu que as pessoas se interessam mais por chocolate do que pela lucratividade da empresa. Tente o seguinte teste: pergunte a qualquer pessoa em seu escritório quanto sua companhia faturou no ano passado. Aposto que as pessoas não fazem a mais remota ideia. Estou fazendo essa pergunta a todas as pessoas que encontro pelos corredores - algumas delas chutam números absurdos, enquanto outras abaixam a cabeça envergonhadamente e admitem completa ignorância.

Mandei uma mensagem de texto a alguém de quem sou amiga há 20 anos e que vem ocupando cargos cada vez mais altos na mesma companhia, e lhe fiz a pergunta. A resposta que recebi dela: "Não faço a menor ideia". A única pessoa a quem fiz a pergunta e soube me responder exatamente quanto seu empregador havia faturado tem em seu contrato uma bonificação cujo valor depende disso.

Essa é certamente uma versão da Lei de Parkinson sobre a trivialidade, que afirma que o tempo que dedicamos a pensar sobre uma dada coisa é sempre inversamente proporcional à sua importância. No exemplo de Parkinson, um comitê gasta três minutos para aprovar a construção de um reator nuclear e em seguida discute durante 45 minutos se a empresa deve ou não construir um galpão para guardar bicicletas. A conclusão dele foi a de que nos apegamos ao trivial porque é algo que compreendemos, enquanto evitamos discussões mais profundas porque não estamos preparados para travá-las.

Enquanto eu pensava tudo sobre isso, minha amiga me enviou uma segunda mensagem de texto para complementar sua resposta: "... e nem ligo".

Li a mensagem e me ocorreu que eu estava encarando a questão de modo completamente errado. A relutância dela em se informar quanto ao montante que seu empregador fatura não tem a ver com ela não compreender o assunto ou com ela ser trivial ou estúpida. Na verdade, minha amiga estava sendo perfeitamente racional.

Minha amiga não precisa saber sobre o lucro ou prejuízo de seu empregador, desde que os resultados sejam saudáveis o bastante para não afetar seu emprego. Ela trabalha para uma multinacional, e sua contribuição para a empresa não afeta seu lucro geral, positiva ou negativamente. Ela sabe as margens de lucro das porções do negócio pelas quais responde, e as administra assiduamente.

Da mesma forma, se interessar muito por uma nova máquina de venda de chocolate não é estúpido, e sim sábio, por três motivos. Para começar, isso tem implicações diretas quanto àquilo que está disponível para você comer no trabalho. Segundo, é uma indicação de que a empresa não está à beira da falência, já que ela está investindo em coisas menores como essa. E, terceiro, o fato é uma sugestão de gestão inteligente, em alguma medida, já que os desejos do funcionário estão sendo levados em conta pela equipe que administra as instalações.

Você pode afirmar que temos o dever, em nosso papel de cidadãos empresariais responsáveis, de nos informarmos sobre as finanças das organizações para as quais trabalhamos, mas não estou certa de que isso se aplique. Já que só ficamos em um emprego pelo tempo que nos convém, e já que podemos mudar de lado e trabalhar para um concorrente a qualquer momento, não faz sentido que tenhamos um senso de propriedade sobre aquilo que nossa empresa faz, em termos gerais.

Isso não significa que não devemos nos esforçar muito ou que não devemos nos orgulhar de nosso trabalho. Deveríamos ter em conta uma série de coisas que tornam mais ou menos provável que sejamos promovidos/demitidos - e ter ainda mais em conta a cordialidade de nosso relacionamento com os superiores imediato e os colegas. Em contraste, questões maiores não parecem ter grande importância.

Há outro problema com relação às coisas grandes. Quanto maior uma empresa, mais abstratos seus resultados, e mais difícil explicá-los. Acrescente a isso o fato de que os presidentes-executivos tendem a ser tediosos quando apresentam comunicados formais, e pode ter certeza de que qualquer esforço para informar aos funcionários sobre coisas supostamente importantes não atrairá seu interesse. E isso traz uma lição para o comando de uma empresa. A menos que ela consiga demonstrar que um post sobre estratégia mundial é tão relevante quanto uma máquina de chocolate, não faz sentido escrevê-lo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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