Folha de S. Paulo


Conselhos de consultoria para carreira da geração milênio são problemáticos

Jeff Chiu - 21.fev.13/Associated Press
Boston Consulting Group aconselha jovens na casa dos 20 anos sobre como
Boston Consulting Group aconselha jovens na casa dos 20 anos sobre como "acelerar" suas carreiras

Na semana passada, encontrei por acaso um artigo do presidente-executivo do Boston Consulting Group (BCG) no qual ele aconselhava aos jovens profissionais na casa dos 20 anos sobre como "acelerar" suas carreiras.

Rich Lesser baseou esses conselhos na carreira esplêndida, se bem que segura, que ele mesmo construiu —alguns anos na Procter & Gamble, seguidos por um MBA em Harvard, e depois 28 anos no BCG. Ao longo do caminho, ele falou a milhares de jovens, e sentiu que era hora de lhes dizer o que estavam fazendo de errado —e como deveriam agir para se tornarem mais parecidos com ele.

O artigo foi publicado no LinkedIn meses atrás, mas o BCG se impressionou tanto com as percepções expostas por Lesser que continua a alardeá-las nas mídias sociais. No entanto, quando li o artigo até a conclusão —"com reflexão, foco e o compromisso de investir em você mesmo e fazer diferença, será possível encontrar o lugar certo para você"—, o tédio terminou superado pela preocupação. O conselho era muito, muito ruim, e eu senti que precisava proteger os jovens da casa dos 20 anos contra tentar segui-lo.

A primeira dica que ele oferece é escolher "algo que você considere verdadeiramente empolgante e satisfatório". Isso parece razoável, mas a recomendação tem três coisas de errado. É banal —ninguém recomendaria um emprego frustrante e que cause nervosismo.

Segundo, não ajuda em muita coisa, porque quando você tem pouco mais de 20 anos é difícil saber se você encontrará satisfação em um emprego até que o tente. Terceiro, isso estabelece expectativas elevadas demais. Mesmo os melhores empregos são empolgantes e satisfatórios de modo apenas intermitente. Por boa parte do tempo, são tediosos, frustrantes ou ambos. A diferença entre expectativa e realidade é o maior problema para a geração milênio, e Lesser deveria se esforçar por não aumentá-la.

Em seguida ele sugere buscar um empregador que permita que o contratado aprenda coisas. "A casa dos 20 anos é um período único para desenvolver um conjunto de capacitações que durarão a vida inteira". Não, não é verdade. Nenhum conjunto de capacitações, para usar o termo dele, dura mais de uma ou duas décadas, excetuada, talvez, a capacidade de formar uma frase, fazer contas de adição e se relacionar bem com pessoas. Capacitações e experiências podem se desatualizar.

O critério seguinte dele —será que poderei fazer diferença?— é ainda mais problemático. Não só essa é a pergunta errada para que uma pessoa de 20 e poucos anos faça, já que é impossível fazer diferença quando você está apenas começando, como é uma pergunta errada a fazer para pessoas de qualquer idade.

Não estou certa do motivo para que tenhamos nos apegado a essa história de fazer diferença. A realidade é que tudo depende de que diferença a pessoa faça. A enfermeira de tratamento paliativo que cuidou do meu pai em seus últimos dias de vida, no hospital Whittington, fez uma diferença que jamais esquecerei. Da mesma forma, Sir Philip Green fez uma diferença que os pensionistas da BHS também demorarão muito a esquecer.

Para a maioria dos escravos do salário, é difícil dizer que diferença fazemos, mas isso não torna nossas funções irrelevantes. Consultores de gestão fazem alguma diferença? Eu faço? Tudo depende de seu ponto de partida. Imagino que, hoje, eu esteja fazendo alguma diferença para Lesser —ainda que não uma diferença positiva.

A questão final dele é a pior de todas: poderei encontrar equilíbrio? A resposta a isso é não, não existe esse tal de equilíbrio. Em lugar disso, cada trabalhador tem uma escolha: trabalhar o tempo todo ou não trabalhar o tempo todo.

Seria melhor se o presidente-executivo de uma das maiores consultorias de gestão do planeta dissesse aos jovens na casa dos 20 anos que ele comanda uma empresa que explora o trabalho da elite, e que trabalhar lá requereria cancelar todos os encontros românticos, festas de aniversário e quaisquer outras formas de diversão a cada vez que o emprego assim exigir.

Como Lesser, eu tive uma carreira segura e nada imaginosa, envolvendo apenas dois empregadores: O JPMorgan e o "Financial Times". Mas desde minha época, e a de Lesser, duas coisas importantes mudaram. Para nós, a vida em uma grande empresa era mais ou menos compulsória, se você estivesse interessado em negócios; agora ela é opcional, já que a pessoa pode escolher uma startup.

Algumas pessoas se adaptam bem à vida em uma grande empresa, outras menos. É difícil ter certeza até que você experimente, e assim meu conselho é aceitar um emprego em uma grande empresa o mais cedo possível, e decidir o quanto você (des)gosta dele.

A segunda mudança é que a vida profissional é tão longa, hoje, que não há pressa em acertar de primeira - o que me conduz ao meu segundo argumento. Se você tomar alguns caminhos errados, não fará diferença.

Ao decidir trabalhar primeiro para a Procter & Gamble e depois para o BCG, Lesser preparou planilhas —e só no fim decidiu seguir o coração. Para mim as coisas foram diferentes. Trabalhei para o JPMorgan e para o "Financial Times" porque foram as duas únicas empresas que me ofereceram emprego. Parecia excelente motivo para escolhê-las. Continua a sê-lo, ainda hoje.

PAULO MIGLIACCI


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