Folha de S. Paulo


Quero voltar à minha bicicleta, apesar dos perigos

Depois de escrever na semana passada sobre meu mais recente acidente de bicicleta, recebi muitas mensagens.

Metade delas vinha de pessoas bem intencionadas que me disseram que andar de bicicleta em Londres é insano, e que eu deveria aprender minha lição. A outra metade vinha de pessoas bem intencionadas que lamentavam minha falta de sorte e expressavam o desejo de que eu logo voltasse à minha bicicleta.

Como resultado, estou tendo de encarar uma questão que usualmente ignoro: será que eu deveria abandonar de vez o capacete e meu colete de alta visibilidade? E, caso o faça, de que maneira chegaria ao trabalho?
Nas últimas três semanas, venho experimentando as diversas maneiras de cobrir os pouco mais de sete quilômetros que separam minha casa no leste de Londres da redação do "Financial Times" em Southwark - metrô, trem, a pé, ônibus e uma combinação dos métodos acima.

Também estudei a literatura especializada, que não é especialmente encorajadora. Um longo trajeto em transporte coletivo pode causar raiva, depressão, cinismo, e aumentar a propensão a ataques cardíacos e distúrbios musculoesqueléticos.

De acordo com o Google Maps, existem diversas opções para o trajeto que realizo na hora do rush, variando em duração de 31 (bicicleta) a 88 minutos. Excetuados pedalar ou ir de carro - o que não é opção porque não tenho vaga de estacionamento no escritório -, o Uber é a alternativa mais rápida.

Assim, no primeiro dia, chamei um carro, que chegou à minha porta em três minutos, e embarquei me sentindo otimista. Vinte minutos mais tarde, enfrentando um congestionamento na Hackney Road, o otimismo já havia diminuído. Cheguei ao trabalho em 47 minutos, 16,53 libras mais pobre, me sentindo estressada e um tanto enjoada, depois de cometer o erro de tentar responder e-mails do banco traseiro de um Toyota Prius.

Recorrendo ao transporte coletivo, a rota mais rápida que o smartphone recomenda envolvia apanhar o ônibus até a Old Street, onde me uni aos demais 3,7 milhões de pessoas que usam o metrô para chegar ao trabalho. Consegui embarcar num trem rumo ao sul, mas o espaço era tão minúsculo que eu nem conseguia olhar para o celular, quanto mais ler um jornal.

Como é que vocês aguentam uma coisa dessas, eu queria gritar para o vagão lotado. Mas em lugar disso, fiquei contemplando aqueles rostos impassíveis. As pessoas aguentam porque estão acostumadas. O percurso completo demorou 51 minutos, mas a sensação era a de que durou ainda mais, já que a necessidade de baldeação de uma para outra forma de transporte coletivo torna mais difícil fazer o percurso em piloto automático —e é só por fazerem isso que os usuários do transporte coletivo suportam o que têm de suportar.

Em seguida tentei o trem, o que envolve uma caminhada razoavelmente longa nas duas pontas do percurso. A lotação era um pouco menos grave, e eu não precisei mergulhar 18 metros no subsolo. Mas o zoológico humano da estação de Liverpool Street na hora do rush deprime qualquer um, e os trens não são muito frequentes. A caminho de casa, perdi um deles, e os 10 minutos que tive de esperar pelo seguinte me incomodaram muito mais do que faria sentido imaginar.

No dia seguinte tomei a linha 48 de ônibus para fazer o todo o percurso, e me sentei na frente, no piso superior, lendo o jornal, respondendo a alguns e-mails e contemplando da janela primeiro o Gherkin e depois o Shard [dois famosos edifícios londrinos]. Mas quando cheguei ao trabalho, 62 minutos e 23 paradas mais tarde, eu me sentia mais como uma aposentada a passeio na cidade do que como uma jornalista ávida para começar a trabalhar.

Restava ir a pé. Iniciei o percurso em uma linda manhã de sol, em minha casa, e cheguei ao trabalho 83 minutos mais tarde, me sentindo satisfeita e repleta das alegrias da primavera. Mas quando a noite chegou eu já havia me desanimado, e voltei para casa de trem. Se eu não tivesse qualquer outra coisa a fazer na vida, eu poderia me sentir preparada para passar quase três horas por dia andando a pé para atravessar Londres- mas a verdade é que tenho.

O que só deixa a bicicleta —o método mais rápido, mais agradável e quase o mais barato de chegar ao trabalho.

É verdade que pedalar é o pior meio de transporte para o penteado e aumenta o nível de desconforto nos 106 dias por ano em que chove na capital britânica. Mas só a bicicleta permite que você chegue ao escritório com o estado de espírito perfeito para o trabalho —com os sentidos aguçados por escapar dos caminhões no percurso, e se sentindo plenamente vivo.

Infelizmente, a sensação de estar vivo que surge ao pedalar pode ser sucedida por não estar mais vivo. O número de mortes de ciclistas vem caindo em Londres —especialmente se computado em termos de média por jornada -, mas ainda assim mais de uma dúzia de ciclistas morre a cada ano, e cerca de 400 sofrem ferimentos severos.

Eu fico alerta quanto à necessidade de evitar as portas dos carros e os caminhões fazendo conversões à esquerda. Uso todos os equipamentos de segurança. E no entanto, em 10 anos tive três acidentes que requereram passagem por hospital, cada um diferente do precedente. Isso me torna um mau risco? Não sei a resposta exata a isso, mas temo que não seja muito boa.

E no entanto, em última análise qualquer avaliação fria de riscos desconsidera o ponto mais importante. Quanto mais eu tiver que sofrer com as dificuldades de chegar do ponto A ao ponto B, mais provável se tornará que eu deixe de perguntar se é loucura andar de bicicleta em Londres, e que volte a pedalar assim que meu fisioterapeuta permitir.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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