Folha de S. Paulo


Café da manhã com armadilhas é maneira podre de escolher uma equipe

Quando Walt Bettinger, presidente-executivo da Charles Schwab, está pensando em contratar alguém, ele convida a pessoa para um café da manhã. Chega cedo, chama o garçom no canto, dá a ele uma boa gorjeta e pede que o funcionário troque o pedido de seu convidado. Ele então se senta e observa a reação do candidato.

"Isso vai me ajudar a entender como eles lidam com a adversidade", disse recentemente ao jornal "New York Times".

"Eles ficam chateados, frustrados ou entendem? A vida é assim, e os negócios são assim. É apenas outra maneira de olhar para o emocional em vez do racional dele."

Como ele não revela sua resposta favorável para a troca de ovo pochê por ovo mexido, tenho tentado descobri-la por conta própria. Quando os candidatos reagem à confusão com silêncio, isso os torna covardes e fracos? Ou poderia sugerir que eles são pragmáticos e se preocupam mais em conseguir o emprego certo do que em obter o café da manhã certo?

Ou talvez o ovo mexido parecesse tão bom que a pessoa decidiu que nem queria ovo pochê?

Enquanto esse teste é uma maneira podre de enxergar o coração dos candidatos a uma vaga, ele oferece um vislumbre do próprio Bettinger. Não só o truque é de má fé, mas também está em desacordo com o modelo de negócios da Charles Schwab –baseado em honestidade e transparência. Praticá-lo é um pouco grosseiro, mas vangloriar-se dele é insano.

Qualquer CEO que diga a jornalistas que esse tipo de entrevista é uma tábua de salvação está falando bobagem, já que isso não existe. Recentemente, Mark Zuckerberg insistiu que ele só contrataria alguém que gostaria de ter como seu chefe. Soa deliciosamente humilde vindo do magnata de 31 anos de idade, mas não acredito nisso nem por um momento.

O Facebook emprega 13 mil pessoas, e, se Zuckerberg ficaria feliz em trabalhar para cada um deles, isso o torna uma pessoa preocupantemente sem discernimento. Mesmo se eu acreditasse nele, sua avaliação não é uma boa maneira de contratar. Uma empresa em que todo mundo quer ser chefe não vai funcionar.

Ainda assim, havia uma parte da abordagem de Bettinger que estava certa: convidar os candidatos para um restaurante –embora ele tenha escolhido a refeição errada. O café da manhã é cedo demais e desagradável demais: o almoço é o ideal.

Nos últimos 20 anos, tenho entrevistado pessoas em restaurantes para a série "Lunch with FT" [Almoço com o FT]. Nesse mesmo tempo, venho fazendo também entrevistas diretas, sem o almoço, e posso confirmar que a primeira é sempre a melhor maneira de fazê-las.

Isso é, em parte, pelas pistas circunstanciais que uma refeição proporciona. A pessoa é agradável com o garçom? O que ela pediu? Ela é decidida? Ávida? Consegue manusear uma faca e um garfo?

Mais do que isso, o almoço exige uma conversa fiada, que é uma maneira muito melhor de conhecer alguém do que uma conversa importante. Uma entrevista convencional tem uma falha grave: é possível driblar o entrevistador facilmente.

As perguntas padrão sobre os pontos fortes e fracos –bem como as perguntas pseudo-inteligentes feitas pelo Goldman Sachs sobre como você sairia de um liquidificador se fosse do tamanho de um lápis– todas se prestam a respostas evasivas.

Mesmo a questão supostamente reveladora escolhida por Miranda Kalinowski, diretora de contratação no Facebook –"Em seu melhor dia no trabalho, o que você fez?"– oferece muito espaço para a pessoa fingir ser alguém que não é.

Se eu tivesse que responder a essa pergunta, ficaria quieta sobre o melhor dia que tive recentemente, que envolveu um longo almoço de fofocas com um colega, muitos elogios e muito pouco trabalho. Em vez disso, eu iria inventar um dia em que tive uma ideia genial e trabalhei duro para encontrar uma maneira de colocá-la em prática.

Na conversa fiada, por outro lado, não é possível se esquivar, porque ela é muito pequena e aleatória para que a pessoa se preocupe. No entanto, através dessa conversa sinuosa e incidental, muitas vezes, obtemos uma visão melhor de uma pessoa –tanto de sua mente quanto de seu coração.

Quando entrevistei o escritor Jonathan Franzen recentemente, fiz grandes perguntas para as quais recebi grandes respostas previsíveis. Mas quando começamos a falar sobre "faça você mesmo", ele deixou escapar que tinha acabado de pintar um quarto em sua casa, porque não suporta pagar as pessoas para que trabalhem para ele –e que não ficou satisfeito até aplicar quatro camadas de tinta.

Acima de tudo, há algo curioso sobre mastigar e deglutir junto com alguém, que é o nivelamento; é mais fácil descobrir se você gosta de alguém quando come do que quando fica olho no olho em uma sala de entrevista.

Não estou sugerindo que tudo de que você precisa para encontrar a pessoa certa para um trabalho é comer com ela. Contratar é difícil –evidências sugerem que as empresas que fazem isso mais minuciosamente tendem a fazer escolhas melhores. Tudo o que eu estou dizendo é que, no final do processo, o almoço deve ser o prato principal.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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