Folha de S. Paulo


Meu trabalho não é mudar o mundo —nem o seu

Ao escrever estas palavras, não estou tentando melhorar sua vida. Não estou tentando mudar o destino da humanidade. Tudo o que eu estou tentando fazer é manter sua atenção durante os três minutos que você vai gastar para lê-las.

Levo meu objetivo a sério. A maioria dos leitores do "Financial Times" são pessoas inteligentes que poderiam estar fazendo outras coisas. Se eu conseguir convencer você o suficiente para que esqueça todas elas e leia as palavras que estou escrevendo, considerarei que cumpri minha função.

Para mim, esse objetivo é ambicioso, mas percebo que, ao me agarrar a ele, sou uma raridade. Minha descrição do que faço é desprovida do que quase todo mundo agora exige de um trabalho: um propósito maior.

Pensemos na Asana, uma empresa que vende software de mensagens instantâneas. Na semana passada, olhei o site deles, que diz em letras grandes que a empresa existe "para ajudar a humanidade a prosperar, permitindo que as equipes trabalhem juntas sem esforço". A avaliar pelos meus colegas que usam a Asana, ela não está conseguindo atingir seu objetivo. Eles se lamentam sobre ter ainda outra maneira de se comunicar imposta a eles.

Possivelmente a Asana pode ser perdoada por ter um objetivo tão grandioso, pois está baseada no Vale do Silício. Desde que o Facebook prometeu "tornar o mundo mais aberto e transparente" e desde que a Microsoft prometeu "capacitar cada pessoa e cada organização no planeta a conseguir mais", a prepotência tem sido galopante.

De certa forma, essas empresas de TI realmente mudaram o mundo. E elas fizeram quase todas as outras empresas professarem que querem mudá-lo também. A Saatchi & Saatchi é uma adepta ansiosa da mania do nós-mudamos-o-mundo-para-melhor, mas, quando fiz uma varredura no site deles para provar tal mudança, tropecei no novo anúncio "Pampers Pooface" feito por eles.

A peça mostra as expressões faciais de dez bebês defecando em câmera lenta ao som de Richard Strauss. É muito engraçado. É bem filmado. Mas certamente só muda o mundo na medida em que pode vender alguns pacotes extras de lenços umedecidos Pampers – e coloca mais imagens bonitas de bebês com os movimentos intestinais on-line do que havia antes.

Como os anunciantes existem para inflar seus clientes, não é nenhuma surpresa que eles inflem seu próprio papel. O mais incômodo é a maneira com que as empresas tradicionais estão seguindo essa tendência. O mais novo objetivo da 3M é "Impulsionando cada empresa. Melhorando cada lar. Facilitando a vida de cada pessoa.", que é um caminho triste, longo e vazio para a empresa que uma vez melhorou o setor de papelaria do mundo com a brilhante invenção do Post-it.

No entanto, para mim o ponto mais baixo foi a descoberta, na semana passada, de que a Cummins, um sólido fabricante de motores, também está nessa. "Melhorar a vida das pessoas, libertando o poder da Cummins", prega sua missão lamentável.

Mesmo os bancos, que não tornaram o mundo visivelmente um lugar melhor na década passada, ainda gostam de insistir que eles o fizeram. Os objetivos do Citibank incluem "permitir o progresso, facilitando o crescimento econômico", enquanto o Barclays carinhosamente diz que seu objetivo é "ajudar as pessoas a alcançar suas ambições - da forma correta".

No entanto, a empresa que está buscando um propósito mais elevado, mais do que qualquer outra, é a KPMG. Ela pagou uma agência para projetar cartazes que perguntam: "O que se faz na KPMG?", Juntamente com as respostas que incluem "Nós defendemos a democracia" e "Eu combato o terrorismo". A única resposta que ninguém parece ter dado é "Eu examino as contas da empresa e os sistemas de controle financeiro".

De acordo com um artigo recente do diretor de RH da empresa, essa missão de propósito maior tem feito maravilhas para a motivação. Para provar seu ponto, ele conta uma história banal sobre três pedreiros que foram perguntados sobre o que estavam fazendo. O primeiro diz que está colocando tijolos, o segundo diz que está construindo um muro, enquanto o terceiro diz que está construindo uma catedral. A moral do conto é que o terceiro homem é o visionário e o herói, e cada trabalhador humilde deve ser encorajado a pensar como ele.

Eu me oponho a essa história por três motivos. Para começar, enfatizar a catedral subestima o valor do trabalho em si. Há uma glória e uma habilidade em colocar um tijolo perfeitamente em cima do outro. A mesma coisa vale para escrever uma boa coluna e fazer uma boa auditoria.

Em segundo lugar, a maioria das empresas não está construindo catedrais. Estão fazendo coisas menos gloriosas, como dar conselhos fiscais ou vender software e por isso têm que recorrer a banalidades vagas sobre a democracia e a humanidade, que são muito gerais para ser incrivelmente motivadoras para qualquer pessoa.

A terceira objeção é que a catedral é desnecessária. Se as empresas querem um propósito mais elevado, tudo que precisam fazer é dizer que produzem coisas que as pessoas querem comprar, dar emprego às pessoas e tratá-las bem.

Agora que penso nisso, há outra coisa que tenho contra o propósito maior das empresas, além do fato de que é prepotente, falso e desnecessário. É triste. Se eu tivesse começado essa coluna dizendo: "Vou ajudar a humanidade a prosperar", aposto que você teria parado de ler na hora.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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