Folha de S. Paulo


Amo meu escritório apesar das manchas de café e dos ratos

O "Financial Times" ocupa um edifício audaciosamente comum nas margens da City de Londres, em que tapetes são manchados de café, baias são dispostas em linha reta e ratos circulam livremente.

No entanto, o escritório me satisfaz totalmente, pois tem as quatro coisas com que mais me importo. Há pessoas interessantes para conversar, uma mesa minha que posso manter organizada ou bagunçada, como eu quiser, fica em um local de fácil acesso de bicicleta e há um homem na porta que diz "Olá, Lucy" toda vez que eu entro.

Em um mundo ideal, seria bom ter mais duas coisas: um pouco mais de luz natural e uma vista que não um prédio horroroso de tijolos vermelhos. Mas suponho que não podemos ter tudo. Ou podemos? Durante os últimos meses, visitei uma série de novos escritórios, cujos proprietários estão tão satisfeitos que me convidaram (juntamente com uma equipe de câmera do FT) para bisbilhotar o interior.

A primeira coisa que notei é que as pessoas que fazem os escritórios melhoraram. Já não estão projetando fábricas para executivos meterem a cara no trabalho. Tampouco estão construindo lugares destinados a inspirar medo e inveja pela extensão da recepção de mármore ou pelo tamanho da cascata de água interna. Em vez disso, o escritório moderno é um espaço igualitário, brilhante, um templo de diversão e de criatividade.

Não importa o quão não criativo é o seu negócio —pode ser uma empresa de contadores ou uma multinacional que vende sabão em pó— a ênfase ainda está na diversão, com uma decoração entre um jardim de infância e um "showroom" de mobiliário moderno.

Em todos os escritórios que visitei, as luzes fluorescentes estão fora de moda e as luminárias coloridas são a tendência. Cores primárias estão em toda parte. Não há linhas retas. No CBI, a Confederação Britânica da Indústria e, possivelmente, a organização menos divertida do Reino Unido, cada funcionário tem um porta copos na mesa com uma foto sua fazendo uma cara engraçada.

Tudo é organizado para incentivar as pessoas a se reunirem e se misturarem: há casulos, pufes e assentos estofados em cores fortes como as de pedras preciosas. As necessidades físicas e espirituais do trabalhador – que nunca foram uma preocupação para os designers de escritórios no passado – são todas atendidas. Há lugares confortáveis e privados para fazer ligações, alimentação saudável, academias chiques e até mesmo salas de meditação.

Será que isso é progresso? Mesmo que eu deteste as infantilizadoras cores primárias e a insistência na diversão obrigatória, não posso fingir que esses novos escritórios não são mais agradáveis do que o meu. No entanto, ainda não tenho certeza de quanta diferença isso faz para a experiência das pessoas que trabalham neles.

Como academias e comida estão amplamente disponíveis fora do escritório, certamente não é uma grande vantagem estarem dentro, também. E é difícil de acreditar que móveis da moda signifiquem maior produtividade.

Em casa eu me preocupo com o ambiente mais do que seria conveniente. Acabei de comprar um abajur tão caro que tenho que dizer a mim mesma que é uma obra de arte para justificar o gasto. No entanto, na hora em que chego ao escritório, descanso desses excessos materialistas. O estilo das lâmpadas não me motiva. Simplesmente não me importo. Nada disso me pertence, não sou responsável por isso, o que é um alívio.

Uma coisa que eu cobicei eram as vistas espetaculares que alguns escritórios tinham de Londres - deve ser agradável sentar o dia inteiro com a cidade sob você. Mas mesmo assim não tenho certeza de quanta diferença isso faria.

O escritório do FT tem quatro lados, dos quais três têm vistas sombrias, enquanto de um é possível ver o rio Tâmisa e a catedral de St Paul. No entanto, as pessoas com vista para o rio não me parecem mais produtivas ou mais felizes do que qualquer outra pessoa. Como a maioria dos privilégios, a vista dá um impulso mínimo na receita - mas, se você tentar retirá-la, é um Deus nos acuda.

No entanto, mesmo com as excelentes vistas e a decoração alegre, ainda não trocaria o meu escritório por nenhum dos que visitei. Em quase todos, havia algo muito ruim – muitas das mesas estavam vazias.

Essa é a grande ironia da vida de trabalho moderna. Assim como arquitetos e designers estão aprendendo a construir escritórios melhores, as pessoas estão perdendo o hábito de trabalhar neles. O único escritório que eu visitei que estava devidamente cheio era aquele em que trabalhar em casa não era visto com bons olhos e onde todos tinham a própria mesa.

Nos outros, o trabalho flexível era incentivado, e o rodízio de baias era galopante. Qualquer um suficientemente retrô que aparecesse no escritório, portanto, poderia esperar encontrar metade de sua equipe em casa, e teria que se contentar em sentar em qualquer mesa velha, cercado por pessoas aleatórias - ou por ninguém.

Em comparação a isso, o design elegante não vale nada. Afinal, onde está a alegria na vida de trabalho, se você não pode ver as mesmas pessoas todos os dias e lhes dizer: não acham que Homeland foi brilhante ontem?

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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