Folha de S. Paulo


Simplificar avaliações de funcionários é bom. Acabar com elas, melhor

Na semana passada, fiz a coisa mais inesperada e edificante em anos. Estava precisando relaxar já que tinha acabado de assistir a um documentário em que a brilhante e bulímica Amy Winehouse bebe até a morte —mas nunca pensei que encontraria tal consolo em um vídeo que mostra o cabeça da Accenture falando sobre sua iniciativa de gestão mais recente.

No espaço de um minuto Pierre Nanterme disse algo maravilhoso: ele vai liberar todos os 330 mil funcionários da farsa da avaliação anual do trabalho.

"Não temos certeza de que gastar todo esse tempo na gestão de desempenho tem produzido um grande resultado", ele disse ao Washington Post. "Uma vez ao ano eu divido com você o que penso a seu respeito. Isso não faz nenhum sentido. As pessoas querem saber (...) eu estou fazendo tudo certo? Ninguém vai esperar por um ciclo anual para obter esse feedback."

A coisa mais extraordinária sobre esta explosão do senso comum é que se trata da Accenture, que ao longo dos anos foi responsável por verborrágicos paradigmas. Foi a Accenture que nos trouxe o embaraçoso hieróglifo "Seja melhor que" em seu nome.

Foi a Accenture que surgiu com o slogan: "Alta performance. Entregue." —que é um disparate tão grande com uma gramática tão pobre.

O fato de esta empresa ter percebido o que foi evidente para todos os funcionários do escritório e para cada gerente no mundo ocidental por algumas décadas me dá grande alegria. Isto é muito emocionante, de fato. Avaliações de desempenho serão em breve extintas para todos nós.

A Accenture não é a primeira. No início deste ano, a Deloitte começou a desmantelar seu maquinário de avaliações extraordinariamente pesado, o que leva 2 milhões de horas em um ano para produzir uma avaliação para 65 mil pessoas.

Se você pensar em termos de custo de oportunidade e presumir que mesmo as pessoas mais juniores da Deloitte trabalham por £ 100 a hora, a empresa foi perdendo pelo menos £ 200 milhões de libras por ano em um sistema que recompensa as pessoas erradas, desmotiva quase todos e espalha tédio e cinismo por todo lado.

Você percebe algo estranho nisso? Ambas as empresas têm grandes divisões de consultoria que vendem "soluções de capital humano". Ao longo das últimas décadas têm cobrado taxas gordas para encher os seus clientes com sistemas de avaliação terríveis. Assim como o seu próprio.

"Alta performance. Entregue", a Accenture afirma. Mas o que acontece se não estiver proporcionando alto desempenho em tudo? E se estiver entregando "soluções" de gerenciamento de desempenho desajeitadas que transformam as pessoas razoáveis em cínicos alienados? E aí?

A gestão corrente da Deloitte e da Accenture deveria pedir desculpas por todos aqueles sistemas de avaliação anuais inúteis prescritos por eles no passado? Eles devem ir mais longe, pagar taxas, e compensar os danos?

Seria bom; só que não vai acontecer. O modo pelo qual ambas as empresas admitiram que seus próprios sistemas internos eram ruins foi muito inteligente. Em vez de dizer que eles eram uma péssima ideia, em primeiro lugar, porque são baseados em um mal-entendido fundamental do que é ser humano, argumentaram que o problema é que eles já não se ajustam ao novo mundo do "eu-quero-agora". "É tudo uma questão de de desempenho imediato", disse o chefe da Accenture.

Isto é duplamente inteligente. Não só significa que desculpas não são necessárias, mas significa um novo fluxo de receita à medida que aconselha os clientes a substituir os sistemas antigos por novos, mais rápidos.

Ainda não está claro como as novas avaliações vão funcionar, embora eu tema que vão envolver grande quantidade de dados. A Accenture afirmou que as avaliações no futuro serão "totalmente sobre você", o que soa superficialmente promissor, mas eu não fiquei sem ar com isso.

A Deloitte surgiu com quatro coisas sobre as quais seus próprios gestores são questionados a cada trimestre sobre cada um dos membros de suas equipes. As questões (que eu melhorei bastante as parafraseando) são nessa linha: essa pessoa merece muito mais dinheiro? Eu gosto de tê-la em minha equipe? Acho que ela está propensa a estragar uma grande equipe? Eu a promoveria hoje?

A beleza destas questões é que elas são simples e não custam £ 100 milhões. Melhor ainda, a Deloitte irá insistir para que todos os seus gerentes chequem estes pontos com as pessoas que gerem uma vez por semana. Isto é tão sensível, que nos perguntamos por que eles pensaram nisso só agora.

Minha sugestão é ainda mais simples —substituir avaliações anuais por nada. Contratar apenas os gestores que são capazes de gerir e que são bons em dizer às pessoas como elas estão indo, e não uma vez por semana, mas o tempo todo. Se eles não estão dispostos a isso, não devem ser feitos gestores. Se estão, não precisam de um sistema de avaliação como uma muleta. Estarão em melhor situação sem isso.


Tradução de Maria Paula Autran


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