Folha de S. Paulo


Por que adoramos imobiliárias detestáveis?

No o mês passado, estive por muito tempo com os profissionais menos favoritos de todos. Nossa casa está à venda e vários membros da família estão buscando casas alternativas, o que significa que, todos os dias, eu falo com diversas imobiliárias, tanto para discutir o progresso do anúncio do nosso imóvel ou a possibilidade de pagar uma soma inconcebível para comprar o de outra pessoa.

Até que esse processo cansativo, emocionante e profundamente inquietante começasse, eu teria dito que havia quatro coisas erradas com agentes imobiliários. Para começar, eles cobram muito. Se vendem uma casa de 1 milhão de libras querem ganhar cerca de 20.000 –um retorno bastante alto para tirar algumas fotos e mostrar o imóvel algumas pessoas.

Em segundo lugar, são serpentes inconfiáveis, sempre dispostos a garantir aos compradores que há "muito interesse" enquanto, ao mesmo tempo, dizem aos vendedores que uma oferta não muito atraente é o melhor vão conseguir. Em terceiro lugar, tendem a ser fracos: vender casas não requer qualificações específicas e atrai aqueles que não se encaixam em cargos públicos ou no direito. E, finalmente, eles massacram a língua com seus eufemismos estúpidos e óbvios.

Levei umas duas semanas lidando com esses tipos repugnantes antes de eu perceber que algo estava errado. Eles não estavam sendo de todo repugnantes. De uma dúzia que eu conheci a partir de várias empresas nenhum foi nem ligeiramente chato. Em ambos os lados –compra e venda-têm sido civilizados, relativamente inteligentes, de confiança limítrofe e alguns deles têm sido francamente agradáveis. Têm chegado na hora para cada compromisso. Não tentaram empurrar propriedades para mim em relação às quais não haveria nenhuma esperança.

Os profissionais que estão vendendo nossa casa parecem estar fazendo o trabalho de acordo com as minhas instruções. É verdade que uma casa pela qual eu estava interessada que teria "grande jardim privado" acabou por apresentar um de médio porte de onde parecia que Steptoe and Son [personagens de um seriado britânico] tinham acabado de se mudar, mas a maioria dos corretores brincam com as palavras levianamente como em nenhuma outra profissão.

A única duplicidade real é nas fotos. A câmera nunca mente –exceto quando se tem uma lente ultra grande-angular. No documento de venda para a nossa casa um sofá de dois lugares parece longo o suficiente para acomodar confortavelmente oito.

Embora agentes imobiliários possam ser melhores do que pensamos que são - e melhores do que a última vez que lidei com eles há 15 anos - isso não responde à pergunta central. Por que os eles ainda existem? Os agentes de viagens desapareceram ou estão desaparecendo. Agentes imobiliários, que eram odiados muito antes de Tim Berners-Lee criar a rede mundial de computadores, seriam os primeiros a sumir, com a era da internet. Em vez disso, está acontecendo o contrário. Enquanto eu pedalava no meu caminho para casa outro dia contei 17 vitrines de agentes imobiliários em uma rua.

Aprofundando

O Mercado imobiliário no Reino Unido

Os índices de preços têm mostrado cenários contrastantes da saúde do mercado imobiliário - de acordo com alguns, o boom está de volta enquanto, para outros, a queda continua cambaleante.

Não faz sentido. Nos velhos tempos, você precisava deles para saber o que estava à venda. Agora, a internet faz isso. O Google Earth mostra como o lugar é do lado de fora; o vendedor pode tirar suas próprias fotos e vídeos para mostrar como é por dentro. Mesmo a precificação poderia agora ser feita por uma criança de uns oito anos, que poderia ajustar o valor do imóvel de acordo com os dos vizinhos.

A única parte que seria difícil de fazer você mesmo seria mostrar a casa às pessoas, pois a maioria dos vendedores estão fora durante o dia, e, de qualquer maneira, não é agradável ouvir os planos futuros dos compradores como arrancar o linho o amarelo e o papel de parede William Morris que você mesmo colocou recente e amorosamente. Mas mesmo essa função poderia ser facilmente mudada: poderia haver um Uber de mostradores de casas, que poderiam deixar os potenciais compradores em propriedades, com uma comissão não de 20.000 libras, mas de uma dezena delas.

Apesar de tudo isso, quando nossa casa for vendida, vou entregar o valor do resgate de um rei para o agente com um leve ressentimento apenas. A razão pela qual eles existem pouco tem a ver com a lógica. É porque quando estão comprando e vendendo casas as pessoas estão no seu momento mais irracional. Casas são não só onde vivemos, mas onde todo o nosso dinheiro vive também. Elas são de longe o nosso ativo maior e mais emocional e até mesmo as pessoas mais sãs se tornam desequilibradas quando se trata de compra e venda. Elas mudam suas mentes. Elas hesitam. Elas leiloam. As correntes quebram e todos ficam bravos.

Se espíritos animais mexem com os mercados, o espírito animal do mercado imobiliário é como uma mãe ganso do Canadá na agitação de proteger seus filhotes. É muito assustador o mundo lá fora para fazê-lo por si mesmo, e nós somos gratos aos serviços desses bem-sucedidos homens e mulheres que estão ao nosso lado.

E esse, eu acho, é o motivo pelo qual nós realmente odiamos imobiliárias. Porque elas estão fazendo algo que poderíamos fazer por nós mesmos se confiássemos mais uns nos outros, se não tivéssemos tanto medo dessas quantias extremamente grandes e se fôssemos mais sensatos sobre os lugares onde vivemos.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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