Folha de S. Paulo


Falta de educação com a recepcionista pode ser usada contra você

Na metade da manhã de uma quinta-feira, estou sentada encolhidinha na área de recepção do edifício onde trabalho. Não quero atrair atenção, porque estou praticando a espionagem –observando as pessoas que entram e saem.

Os recepcionistas são um recurso subutilizado, é algo que sempre pensei. Testemunham o comportamento das pessoas em momentos nos quais elas acreditam não estar sendo observadas, e portanto são capazes de detectar os rudes e os desagradáveis –bem como as pessoas joviais e bacanas– de maneira mais rápida e precisa do que a maioria de nós.

Jamais compreendi por que essas impressões não são usadas mais amplamente para contratações, promoções ou qualquer outra coisa para a qual o caráter do envolvido faça diferença.

Na semana passada, ouvi falar de uma imobiliária em Mayfair que usa sua recepcionista para isso. O presidente-executivo da companhia desenvolveu um sistema sob o qual a mulher da recepção (que trabalha com ele há anos) recebe os visitantes, lhes oferece alguma coisa para beber e, assim que a pessoa entra no elevador para sua conversa com o chefe, dispara um e-mail informando que o Sr. X não agradeceu quando ela lhe ofereceu café, o Sr. Y não a olhou nos olhos, ou –a descortesia mais grave– o Sr. Z entrou falando alto no celular e mal interrompeu a conversa para lhe informar seu nome.

No setor imobiliário –onde ainda é possível fechar um negócio com um aperto de mão–, esse tipo de espionagem pode ser especialmente valioso. Não existe prova científica de que funcione, mas a companhia em questão parece estar se saindo muito, muito bem.

Por isso estou sentada no saguão do "Financial Times", esperando. A maioria das pessoas que entram e saem são colegas; metade deles cumprimenta o recepcionista ao passar, metade não. Reparo que as pessoas que o cumprimentam são aquelas que, com base em longa experiência, descobri serem civilizadas.

As pessoas que passam pela mesa do recepcionista em silêncio são um grupo menos bem definido, formado por introvertidos, por membros do esquadrão dos desajeitados e por um outro mau sujeito irremissível.

Não sou a primeira pessoa a considerar esse teste da recepção como bom método para separar os lobos dos cordeiros corporativos. O sócio dirigente de um escritório de advocacia da City costumava fazer os candidatos a sócios no escritório imitar a maneira pela qual entravam na firma pela manhã, e aqueles cuja rotina não incluía um amistoso "bom dia" para o recepcionista eram rejeitados ou informados de que precisavam ter modos melhores.

Dos visitantes que vêm ao meu local de trabalho, muitos poderiam se beneficiar de uma lição como essa. Um sujeito a quem o recepcionista pergunta como seu nome deve ser soletrado, dispara as letras com desdém, seus olhos fixados um metro acima da cabeça da pessoa com quem ele está falando. Imperioso, avalio. Apegado à hierarquia.

Outra visitante se debruça sobre o balcão para garantir que o recepcionista esteja digitando seu nome corretamente. "Maníaca por ordem", imagino.

Um terceiro sujeito entra, diz seu nome com frieza e se afasta do balcão para se sentar, tirando o casaco para mostrar que se sente em casa. "Metido", decido. Quando a pessoa que ele veio visitar vem à recepção recebê-lo, ele levanta lepidamente, cheio de charme e calor humano. Já saquei qual é a dele: é um político. Um operador.

Depois de algum tempo, começam a surgir padrões. Quando convidadas a se sentar, as pessoas mais relaxadas aceitam o convite, enquanto as ansiosas ficam de pé, algumas desconfortavelmente perto da mesa do recepcionista, ou, pior, caminham sem parar pelo assoalho de mármore em sapatos de salto alto ruidosos.

Os superansiosos não conseguem esperar mais de dois minutos sem retornar à mesa de recepção e perguntar se sua presença foi mesmo anunciada.

O crachá de segurança também oferece um teste de personalidade. Quando recebem o crachá, preso a um cordão, os obedientes o penduram ao pescoço e os rebeldes o guardam no bolso.

Quando é preciso usá-lo para destravar a catraca eletrônica, a relação entre eficiência e senioridade é inversa. Muitas das pessoas importantes não seguem a instrução sobre onde colocar o cartão; aqueles que riem da própria incompetência merecem nota alta; os que ficam furiosos e olham feio para os recepcionistas como se a culpa fosse deles merecem reprovação.

O teste final vem quando a reunião acabou e o visitante está a caminho da saída. A maioria das pessoas entrega o crachá e se despede, mas alguns poucos grosseirões o jogam na direção do recepcionista sem uma palavra. Os terminalmente distraídos saem do edifício com o crachá no bolso.

Pergunto aos nossos seguranças se eles acham que é possível saber muito sobre uma pessoa com base em sua maneira de entrar e sair do edifício; todos respondem que sim.

Um deles me diz que recebeu algum treinamento em análise de personalidade –ele costumava trabalhar em um tribunal de justiça a alguns quarteirões de distância.

Os acusados muitas vezes chegavam em gangue à recepção, de cara feia, hostis, e em alguns casos com facas escondidas nos bolsos. Mas assim que o magistrado entrava, eles todos se tornavam ordeiros e mansinhos. Quem era e não era mesmo culpado também ficava bem claro, disse ele.

A lei pode impedir que detalhes como esses sejam usados no tribunal, mas não há nada no código empresarial que diga que rudeza e impaciência na recepção não possam ser recolhidas como provas e usadas contra nós.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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