Folha de S. Paulo


Número de resmungões não é bom indicador para o Wells Fargo

No banco Wells Fargo, os executivos inventaram um novo indicador para avaliar, em companhia de estatísticas tradicionais como a cobertura por provisões e a adequação do capital. O indicador leva o nome de razão felicidade: resmungo, e mede o número de funcionários felizes que o banco tem com relação ao de ranzinzas.

O objetivo do exercício, disseram executivos do banco ao "Wall Street Journal" na semana passada, é que funcionários felizes tendem a fazer a coisa certa em proporção superior aos infelizes. As autoridades regulatórias, que recentemente vêm expressando preocupação com a cultura malévola predominante nos bancos, sem dúvida ficarão impressionadas. Ainda mais quando descobrirem em que direção esse indicador está se movendo, no banco sediado em San Francisco. Cinco anos atrás, o número de funcionários felizes do banco (com base na avaliação deles mesmos) era de 3,8 para um, ante os infelizes.

No ano passado, havia oito vezes mais polianas do que carrancudos nas fileiras do Wells Fargo. Quando descobri essa razão felicidade: resmungo, imaginei que era uma boa ideia e que deveria ser compulsória no setor. Fazer com que os bancos revelassem essa estatística os tornaria lugares menos opressivos para os funcionários. E comparada à maioria das estatísticas bancárias, complicadas a ponto de tornar impossível até a uma pessoa inteligente compreendê-las, esse número seria simples o bastante para que qualquer idiota o entendesse em um segundo.

Mas quanto mais penso sobre o indicador, menos o compreendo de verdade, e ainda menos gosto dele. Mesmo a premissa é dúbia. Será que trabalhadores que dizem ser felizes se inclinam mesmo a cometer menos impropriedades? Não existem números que o provem, e tampouco uma razão evidente para que isso seja fato.

Se assumir riscos e ganhar dinheiro é o que torna os funcionários de bancos felizes, eles serão ainda mais felizes caso estejam aprontando - desde que isso resulte em muito dinheiro como recompensa. Além disso, se você é o tipo de cara que acha normal causar bilhões de dólares em perdas para seu banco, não vai ter pudor de responder com mentiras a um questionário sobre satisfação do pessoal.

Quanto aos números mesmos, eles parecem bons demais para ser verdade. Não acredito nem por um segundo que os funcionários felizes do Wells Fargo superem em oito vezes os infelizes, em um quadro de 260 mil pessoas, e tampouco é provável que um indicador dobre em período tão curto de tempo.

De acordo com pesquisa do Gallup entre 25 milhões de trabalhadores, o número de trabalhadores insatisfeitos é duas vezes maior que o de felizes, no planeta. Tenho a sorte de trabalhar em um dos lugares mais felizes do Reino Unido. Os jornalistas do "Financial Times" tendem a ser bem tratados, a direção pega leve e é (razoavelmente) benigna, e as pessoas em geral fazem aquilo que amam. Mas a relação entre felicidade e resmungo? Tomando meus colegas por base, eu a estimaria no máximo em quatro para um.

Mais fundamentalmente, não faz muito sentido perguntar aos trabalhadores se eles são felizes ou não. A resposta certamente dependerá de quem esteja fazendo a pergunta, do humor do pesquisado no momento da resposta, de seu temperamento, e do significado que ele atribua à palavra "felicidade". Agregar 260 mil respostas não confiáveis e tratar o resultado como um dado tão confiável quanto os números de capitalização é bem assustador, na verdade.

Por sob isso tudo, existe algo de ainda mais básico. Será que os empregadores deveriam mesmo tentar fazer seus funcionários mais felizes? Estou com Freud, quanto a isso. Ele disse que era impossível fazer as pessoas felizes; o melhor que se poderia esperar seria a infelicidade usual.

O objetivo deveria ser o mesmo, no caso dos bancos. Os bancos, e todos os demais empregadores, deveriam tentar se tornar lugares nos quais os funcionários não se sintam anormalmente infelizes.

Para determinar se estão se saindo bem na tarefa, existem duas estatísticas que devem ser monitoradas, as duas objetivas e impossíveis de manipular. A primeira é o giro de pessoal. Se as pessoas são mais infelizes que o normal, tendem a se demitir. Se o seu giro de pessoal é mais alto que o de seus concorrentes, você saberá de imediato que tem problemas.

O segundo indicador é a razão entre o salário dos seguranças e o dos executivos do banco. Sabemos que a percepção de desigualdade e de falta de equanimidade torna as pessoas infelizes; quanto mais essa disparidade cresce, pior a cultura fica.

Existe um terceiro indicador, menos objetivo e mais difícil de medir, mas talvez ainda mais importante que os outros dois. É monitorar o número de amigos que a pessoa tem no trabalho. Todos os dados genéricos sobre felicidade mostram forte correlação entre o número de amigos próximos e a felicidade. O mesmo certamente se aplica ao escritório - ao menos ao meu. O principal motivo para que eu nunca esteja anormalmente infeliz no trabalho é que tenho três amigos de verdade entre meus colegas.

Se o Wells Fargo produzisse uma estatística como essa, duvido que ela servisse para informar às autoridades regulatórias de que há um escândalo a caminho. Mas nos diria algo de profundo sobre os funcionários do banco e sua felicidade, ou falta de, e daria aos futuros empregados uma ideia excelente quanto a se gostariam ou não de trabalhar ali.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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